Ouso fazer algumas reflexões
sobre o texto a seguir de um incansável militante do bem, e poeta.
“Quem foram os Vândalos e o que fizeram para
entrarem para a história de modo tão jocoso? Teriam feito algo ainda mais
aterrador que os Romanos ao destruírem Jerusalém no ano 70 d.C.? Seriam mais
furiosos e insanos que os Hunos sob o comando de Átila? Pilharam mais que os
espanhóis ao império Inca? Teriam tido mais desprezo pela humanidade que os
comunistas nas ordens de Stalin ou Mao Tsé-Tung?
A relação do nome Vândalo com vandalismo se deu por
causa da invasão de Roma em 455. Por duas semanas eles atacaram a cidade
destruindo, principalmente, obras de artes. Muitas delas frutos dos saques a
Jerusalém e Grécia pelos romanos. Tal foi agressão à cidade, às obras, muitas
delas jamais foram restituídas, que chamou a atenção do Império Romano do
Ocidente em franca decadência e demais povos da época, notadamente o Império
Romano do Oriente.”
Convém lembrar, caro poeta, como consideração primeira,
que nosso mundo ocidental civilizado e cristão copiou muitas práticas
predatórias dos Vândalos. Basta ver milhares de peças pilhadas de antigas
civilizações que hoje ornam os grandes museus de Londres, Paris, Nova York,
Berlim. Foram, no entanto, duas preocupações que diante do texto acima
assaltaram de minha mente, quem sabe, justificadamente ressabiada. Primeiro,
que a as referências aos Vândalos não venha a ser utilizada de forma
oportunista para condenar movimentos legítimos de trabalhadores e do povo na
rua em luta por melhores condições de trabalho e de vida. Movimentos estes que
nos enchem de esperança de que o povo volte com mais frequência a vibrar nas
ruas e praças. E torço para que o movimento social continue passando ao largo
das tediosas pautas genéricas, do tipo ‘cansei’ ou ‘contra a corrupção’, e
outras do surrado varejo midiático, que nada reivindicam e nada propõem. A não
ser evitar uma discussão mais profunda das nossas mazelas. Que continue a ser a
esperança dos militantes do bem, e dos poetas. E, claro, de milhões de
brasileiros que começam a ver a ‘água nova brotando’, do dizer do poeta.
Em segundo
lugar, costumo ficar de pé atrás quando se menciona certo ‘desprezo pela
humanidade’, que vez por outra se atribui, desde o começo da Guerra Fria até os
dias de hoje, seletivamente, a dois importantes personagens de meados do século
passado, Mao Tsé-Tung e Josef Stalin. E quais teriam sido os crimes desses
senhores, ainda hoje celebrados em seus países de origem?
A propósito,
permita-me lembrar a história de um cidadão, fronteiriço entre dois países, que
diariamente passava na alfândega e cujo bagageiro da bicicleta trazia grande
quantidade de coisas sem o menor valor fiscal, tralha, trecos enfim. Para
encurtar a história ou para antecipar sua conclusão aos que ainda não sabem
dela, descobriu-se, anos depois, o fronteiriço já muito bem situado, que sua
riqueza provinha do contrabando de... bicicletas. Temo, pois, caro poeta, que
muitos dos nossos mais cuidadosos textos, e não somente os nossos, possam involuntariamente
servir como tralhas e trecos para encobrir bicicletas, ops, contrabandos. Isso
também acontece e muito de modo voluntário, como instrumento ideológico, na
grande mídia hegemônica mundial. Pois é mais que sabido que não é somente no
Brasil que os donos da informação, donos do que deve ser dito ou escondido ou
manipulado, são apenas meia dúzia de famílias. No mundo, também são meia dúzia
de corporações que detêm o poder sobre mais de 90% de livros, revistas,
jornais, TVs, rádios, internet... É justamente nesse arsenal midiático onde
trafegam os fronteiriços, os marginais de todas as fronteiras do mundo, a
pedalar suas insuspeitas bicicletas, levando em seu bagageiro uma tralha de
informações cada vez mais massificada, a esconder o verdadeiro contrabando que fortalece
seu oculto interesse ideológico.
Voltando à
política do século passado, é por demais conhecida a guerra de informações e
contra informações do período da Guerra Fria entre Ocidente e Oriente, entre as
lideranças polarizadas de Washington e Moscou sobre o mundo. As informações em
lados opostos dominadas pela CIA e pela KGB. Nós ocidentais fomos cobertos pelo
sagrado manto da informação do lado de cá da famosa Cortina de Ferro, a
assimilar somente a mitologia ocidental. Porisso, ainda hoje pouco sabemos
sobre o que se convencionou chamar de ‘os crimes de Stalin e de Mao Tsé-Tung’,
pois fomos impedidos por décadas de acessar informações do lado de lá. Ou as
conhecemos pela versão passada, ainda hoje, pelo lado de cá. No entanto, tanto
num lado como no outro, temos muita clareza dos estarrecedores crimes do mesmo
período praticados pelo nazifascismo, que encheram campos de concentração, fornos
crematórios e valas comuns de corpos de mortos-vivos, de cristãos e de
comunistas, de judeus e de negros, de todos os credos e bandeiras. Crimes
somente comparados ao despejar de bombas atômicas sobre importantes cidades
japonesas, a botar abaixo tijolos, pedras e lajes de Hiroshima e Nagasaki. E a
atingir populações inteiras pela morte, pela doença nuclear, passada de geração
a geração. Uma ação, caro poeta, que o mundo civilizado ocidental e cristão, o
lado de cá, portanto, praticou e que parece ter conseguido fazer o mundo esquecer
sua autoria, como se fosse apenas uma tragédia inevitável, que certo dia apenas
caíra do céu. E certamente vai ser esquecido enquanto continuarmos a colocar, em
seu lugar, repetitivas histórias ainda mal contadas em suspeitosos bagageiros
do tempo.