quarta-feira, 31 de março de 2010

Finalmente, o amanhã.

O ministro do Paulo Vannuchi criticou a imprensa brasileira nesta terça-feira (30/03) “por agir como uma espécie de partido de oposição, (...) confundindo um papel que é dela – informar, cobrar e denunciar – com o protagonismo partidário, que é transformar isso em ações de conteúdo unilateral". Não se trata de uma afirmação gratuita. Vem de uma confissão pública da presidente da Associação de Jornais (patronal), Judith Brito, que é também diretora-superintendente da empresa que edita a Folha de S Paulo. Segundo Judith: "Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos. É o que estamos fazendo”.

A afirmação de Judith se deu durante evento realizado há duas semanas em São Paulo, para associações patronais ligadas a jornais, revistas e TVs, para discutir a liberdade de imprensa. "A liberdade de imprensa não pode ser só a liberdade privada da imprensa brasileira", disse nesta segunda-feira (29/03) o presidente da CUT, Artur Henrique, botando o dedo bem no centro da ferida. Ele quer a realização de debates sobre a democratização dos meios de comunicação.


No embalo da CUT, durante o lançamento do PAC2, o presidente Lula também atacou: “Se o pesquisador do futuro recorrer aos jornais de hoje, contará uma historia mentirosa”. Obama, de um lado, Chávez, de outro, também andam a reclamar da imprensa dos seus países. O primeiro, porque um grupo de mídia lhe faz oposição sistemática. O Último porque foi a mídia que lhe apeou do poder em 2002, e porque continua tentando até hoje. Os choramingos de Serra e Berlusconi contra a imprensa não contam, são choros de barriga cheia.


“Lula disse bem”, diz Mino Carta na última Carta Capital. Nossa imprensa costuma ser conservadora em relação aos grandes temas da humanidade e se aliar automaticamente aos interesses de Washington, no campo da economia e da política. É capaz de denunciar, de pronto, supostas práticas desleais do comércio da China, mas se cala diante de comprovadas práticas desleais praticadas anos a fio pelos EUA. Como no caso do algodão, arbitrado pela OMC. Não quer Washington, também não quer nossa imprensa, que o Brasil seja recompensado na forma da lei internacional. Mas quer que o exército brasileiro invada a Bolívia por querer negociar preço justo para seu gás.


Tem razão Artur Henrique. Nossa mídia prefere condenar o governo cubano por também supostas lesões aos direitos humanos, mas se cala diante de torturas em cárceres dos Estados Unidos espalhados pelo mundo. Divulga sem cessar casos de enfrentamento de opositores diante do governo autoritário iraniano e esconde ou banaliza a chuva de bombas que Israel despeja sobre civis palestinos. Aceita como verdadeira a “gana” do Irã por armas atômicas (lembre-se das armas de destruição em massa do Iraque), mas se cala diante do arsenal atômico de Israel.


Também se cala diante de milhares de artefatos atômico nos arsenais das grandes potências. E aplaudem esses países demasiadamente armados, como diz o ministro Samuel Pinheiro Guimarães, quando “pretendem desarmar os desarmados totalmente, até o último estilingue”.Nossa mídia defendeu o golpe contra Chávez em 2002, como defendeu o golpe contra Zelaya em 2009. E viu na eleição do novo presidente de Honduras, feita pelos golpistas, um processo limpo. Esqueceu de mostrar as dezenas de mortes de seguidores do presidente deposto.


A imprensa brasileira finge-se de morta para o novo perfil do Brasil diante das nações e faz cara de paisagem para o protagonismo do presidente Lula nas esferas internacionais. É uma história dos tempos de hoje que os pesquisadores do futuro poderão garimpar sem passar por mentirosos, desde que consultem os arquivos dos jornais de fora do Brasil. Como no exemplo do The Wall Street Journal desta segunda-feira (29/03), matéria de capa, em cuja visão, “Para o Brasil, finalmente é o amanhã". Mais: "A ascensão do Brasil como um gigante econômico é um dos maiores temas de nosso tempo. Não está somente redefinindo a América Latina, mas também a economia do mundo inteiro." Leia no original¹. Veja o vídeo².


(1) http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704743404575127913634823670.html?mod=WSJ_hpp_MIDDLENexttoWhatsNewsTop


(2) http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704743404575127913634823670.html?mod=WSJ_hpp_MIDDLENexttoWhatsNewsTop#video%3DF4FAE6E2-F6C1-4EE6-9DD0-06DFC3AD18E1%26articleTabs%3Dvideo

segunda-feira, 22 de março de 2010

Um outro olhar

O jornalista MARK WEISBROT é diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas (www.cepr.net), de Washington. Seu artigo na Folha de S Paulo¹ deste domingo (21) representa um olhar realista, imune ao passional clima pré-eleitoral brasileiro. O assunto é a campanha dos Estados Unidos pela adoção de sansões contra o Irã, cuja recusa pelo Brasil é alvo de infundadas críticas dos opositores ao governo. Lula vem argumentando que a estratégia estadunidense de confrontos e ameaças é contraproducente.

Os argumentos contra Lula, segundo o analista, foram resumidos pelo oposicionista José Serra, na Folha de S Paulo² de 23/11/2009. Serra ataca Lula por ter recebido Ahmadinejad, cuja reeleição teria sido "notoriamente fraudulenta", pelo teor repressivo do governo e pela negação do Holocausto. Weisbrot argumenta que a primeira acusação é inaceitável por quem tenha examinado as evidências. A vitória de Ahmadinejad por uma diferença de 11 milhões de votos teve apuração testemunhada por centenas de milhares de pessoas. Mais: os resultados corresponderam às pesquisas de intenção de voto e também de boca de urna.

Por outro lado, articulista não tem dúvidas de que o governo do Irã é repressivo, embora também o sejam alguns aliados dos Estados Unidos na região. O Egito, a Arábia Saudita, Israel. Quanto à negação do Holocausto por parte de Ahmadinejad, Weisbrot relembra que “Lula a condenou fortemente”. No entanto, questiona se deveria Lula também recusar um encontro com Hillary Clinton, que apoiou a invasão e a ocupação do Iraque (Inútil guerra que já matou mais de 1 milhão de pessoas). Hillary também apóia as mortes de civis cometidas diariamente por forças dos EUA no Afeganistão.

Para o analista estadunidense, “Lula se reúne com todos os lados na disputa porque está tentando exercer um papel de mediador para impedir outra guerra desnecessária. É isso o que fazem os mediadores. A equipe de Obama, assim como a do ex-presidente Bush, tem dificuldade em compreender esse conceito. Ela prefere adotar uma abordagem do tipo "Poderoso Chefão" para as relações internacionais. A abordagem da equipe de Lula é oposta, algo que se deve à sua experiência sindical: ele procura o diálogo, as negociações e as concessões, visando solucionar conflitos.”

Na mesma linha arrogante de Obama, que não difere da de Bush, o ex-subsecretário de Estado de Bill Clinton, James Rubin, publica na "Newsweek³" desta segunda-feira (22) o artigo "Pressionando Lula". No subtítulo, "aliados que se negam a sancionar Irã também devem pagar". No texto, "Boa vontade e respeito nem sempre são o bastante. Algumas vezes, até países amigáveis precisam entender que vão pagar um preço por desafiar os EUA. Muito provavelmente, essa ação vai funcionar. O Brasil vai ajustar sua posição. E o resto do mundo vai perceber." Rubin parece não saber que o Brasil já não é mais quintal dos EUA.

Também parecem não saber (ou não querem saber) nossos eternos padecentes do complexo de vira-latas, como o ex-presidente FHC, que quer “para o Brasil uma relação mais estreita com os Estados Unidos, que desse espaço para o país se afirmar mais em sua área de influência." (Na Folha de S Paulo* desta sexta-feira, 19). Quinta-colunismo sem criatividade, pois repete um outro arrivista dos anos 60, Juracy Magalhães: “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.

Alheio às prioridades de Washington que não se destinam aos interesses mais amplos, Lula, como disse Mark Weisbrot, “tornou-se um dos líderes mais respeitados do mundo e, por essa razão, possui potencial singular de ajudar a resolver alguns dos conflitos políticos mais sérios do planeta.” Satanizado por Washington e pelos vira-latas da mídia e da oposição brasileiras, nosso presidente, diz o analista, “vem assumindo uma atitude pautada por princípios e que atende aos interesses mais verdadeiros não apenas do Brasil, mas da humanidade. (...) O mundo precisa seriamente desse tipo de liderança.”

domingo, 14 de março de 2010

Um profeta em Israel

foto Haaretz
“Profeta do diálogo”, "o mais popular chefe de estado da história do país", de quem "o consenso universal é que é simplesmente impossível não gostar dele". Foi assim que o importante jornal israelense, Haaretz, referiu-se ao presidente Lula após entrevista publicada¹ em destaque nesta quinta-feira (11), véspera de sua viagem ao Oriente Médio. Um repórter da Agência de Notícias Brasil Árabe também participou da entrevista.

O presidente Lula vai se encontrar com o presidente Shimon Peres e com o líder da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Ele vinculou suas visitas a Israel e ao Irã com a busca da paz, por entender que o conflito exige novos atores, e lamentou que os acordos mais recentes, como o de Oslo, somente têm produzido “prêmios Nobel e fotos de pessoas abraçadas”.

O longo relato de Lula contemplou o exemplo do shopping popular Saara, no Rio de Janeiro, “onde judeus e árabes vendem roupas e brinquedos lado a lado". A entrevista encerrou com o presidente citando um comercial de TV, onde dois meninos com a camisa da seleção brasileira, um judeu e um árabe, iniciam uma bela amizade, diante de um ambiente hostil. A mensagem, mesmo que possa parecer ingênua, é a que Lula quer levar como símbolo às nações em conflito.

O presidente brasileiro afirmou ao Haaretz que conversou com Ahmadinejad sobre suas declarações contra Israel. "Eu falei com o presidente do Irã e deixei claro que ele não pode continuar dizendo que quer a liquidação de Israel, assim como é inaceitável que ele negue o Holocausto”. Mesmo assim, o Brasil apoia o programa nuclear iraniano "para fins pacíficos" e foi um dos cinco países a votar contra a condenação ao Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Ao Haaretz, Lula disse temer que as tensões entre Irã e Israel possam levar a uma guerra. "Os líderes com quem conversei acreditam que nós devemos agir rápido, porque de outra forma Israel vai atacar o Irã. Eu não quero que Israel ataque o Irã, assim como não quero que o Irã ataque Israel", disse o presidente.

Israel que Lula encontra é hoje um estado nazisionista que dificulta o acesso dos palestinos ao seu próprio território. Transforma o território de Gaza em um gueto onde os judeus racionam água, alimento e remédios. Um vergonhoso muro separa palestinos de palestinos e garante aos judeus a posse de terras que não lhes pertence. Por outro lado, observadores na Palestina ocupada temem que esteja em preparo uma nova Intifada (levante palestino), inevitável se os israelenses mantiverem a política de provocação, como a que impede que palestinos visitem a Mesquita Al-Aqsa, o terceiro mais importante sítio sagrado do Islã.

Foi com essa compreensão (ou temor?) que Hillary Clinton, a secretária de Estado dos EUA, disse que a iniciativa israelense de construir novas 1.600 residências em áreas palestinas "é um sinal profundamente negativo na abordagem de Israel para as relações bilaterais". Entretanto, Hillary e o vice-presidente Joe Biden parecem cumprir o que o Financial Times² deste domingo (14) chama de “uma ofensiva de charme”, cientes de que a “briga entre Israel e EUA reforça imagem de um Obama fraco”. Tanta fraqueza fez o jornal pan-árabe, Al Hayat, publicar um editorial nesta sexta-feira dizendo que Israel “domou” Obama.

Neste cenário, tirando as boas expectativas ao esforço comercial brasileiro, a investida do presidente Lula na conturbada área diplomática parece fadada ao fracasso. O perfil do nazisionismo de estado, vigente em Israel, prevalece com a cara do primeiro-ministro Netanyahu. Diferentemente do interlocutor escalado para receber Lula, o presidente Shimon Peres, cujo papel em Israel é “dourar a pílula” do regime com seu antigo charme social-democrata. Assim, o jornal Haaretz arrisca-se em prometer a vinda de um “profeta do diálogo”, mesmo que seja “simplesmente impossível não gostar dele”.

(1) http://www.haaretz.com/hasen/spages/1155868.html

(2) http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2010/03/13/briga-entre-israel-e-eua-reforca-imagem-de-um-obama-fraco.jhtm

quinta-feira, 4 de março de 2010

SUBMISSÃO

1. O final dos anos 90 foi marcado por um sem número de visitas de certos senhores, à vezes senhoras, muito elegantes, com pastas executivas e diligentes assessores, que desembarcavam no planalto central e, sem a menor cerimônia vasculhavam arquivos e gavetas do Banco Central. Objetivo? Remexer nossos papeis para saber se estávamos seguindo os rigores de suas normas de proteção para os lucros dos seus não poucos investimentos. Para checar se estávamos aplicando as receitas que adequaram o Plano Real, o plano econômico criado por Rubem Ricupero durante o governo Itamar Franco, para proteção de seus estimados dólares.

Esses senhores/senhoras, brancos, de olhos azuis, como seus patrões do Fundo Monetário Internacional FMI, faziam a festa dos nossos submissos “especialistas” em economia e dos jornalistas metidos a isso. Eles começaram a aumentar a frequência de suas amáveis visitas, conforme relembrou outro dia o sempre atento Delfim Neto, pouco antes da reeleição de FHC, quando a interferência de Bill Clinton fez o FMI trazer a mais quase uma centena de bilhões de dólares que evitaram a quebra do nosso país, fruto de irresponsável persistência fernandina/malaniana em levar até a eleição a falsa equivalência de um dólar por um real. Levou, ganhou a eleição e quase quebra o país.

Um mês depois, mudou os rumos da nossa economia. E durante o segundo mandato continuaram os elegantes desembarques em Brasília. Hoje, essa gente sumiu, e há quem tenha saudades. O conhecimento dessa memória está muito acima da questão plebiscitária entre os governos FHC e Lula. Ela é do conhecimento geral daqueles que são do ramo. Entretanto, os partidos de oposição adotaram a ladainha da balela e da fraude. Os “especialistas”/colunistas, repetem às escâncaras, a idéia de que o real é uma invenção milagrosa do governo tucano e que o governo petista deu certo porque seguiu a mesma cartilha. Não nos deixemos enganar, a história é bem outra.

2. Há uma outra ladainha, com igual ranço de gosto pelo colonialismo, que nossos diligentes colunistas/editorialistas costumam repetir, como macacos de imitação. Essa diz respeito à expectativa com as visitas de outros senhores/senhoras, também elegantes, que aqui desembarcam. A vinda de Hillary Clinton, dos reis da Espanha, os da Suécia, o primeiro-ministro da Itália, o ministro do Exterior da Alemanha, depois Obama, causa prazeres quase orgásticos. Cantanhêdes acreditam que essa gente vem aqui para puxar a orelha do presidente Lula em razão da insubmissão da nossa política externa aos desejos de Washington ou outros representantes do mundo ocidental cristão.

Em outro terreiro, muito menos rançoso, considera-se esse desfilar de personalidades do topo da pirâmide política mundial em nossa praia como uma busca diplomática de uma relação com um novo país chamado Brasil. Conhecer um exitoso projeto de governo e plantar relações de troca diante de um mundo multipolar. No caso dos EUA, pela leitura dos seus próprios especialistas¹, Hillary vem tentar corrigir seu pedantismo inicial de julgar ainda ser nossa região um quintal dos EUA², esquecendo justamente a multipolaridade em que o mundo se transformou. Sua nova postura sem a arrogância de sempre frustra nossos conterrâneos, portadores do rodriguiano complexo de vira-latas.

Não há o que discutir com relação a Cuba e ao Irã, a não ser que se aceite discutir as propostas brasileiras de fim do maldito bloqueio contra o povo cubano e de uma solução diplomática para os iranianos. Sem as botas sujas de sangue dos Estados Unidos. E se quiserem discutir direitos humanos, que se comece pelo gueto de Gaza, com o povo palestino sufocados pelo sionismo de estado; pela base de Gantanamo e as prisões clandestinas estadunidenses mundo afora, onde se faz pós-graduação em tortura; pelo Afeganistão, onde se despeja bombas sobre hospitais e escolas; pela Colômbia, onde um governo sustentado pelo tráfico de drogas, assassina em massa camponeses e lideranças sindicais.

Afinal, o perigo atômico de Ahmadinejad, feita pela “comunidade internacional”, mais parece o perigo das armas de destruição em massa que justificaram a destruição de um país como o Iraque, um dos berços da civilização mundial, como o Irã. Por outro lado, não se vê essa mesma “comunidade” cobrar dos seus, como os Estados Unidos, o cinqüentenário compromisso com o desarmamento nuclear. Washington não dá o menor passo para diminuir seu estoque de ogivas nucleares e ainda estimula os projetos de bombas nucleares em Israel, Paquistão, Índia. E mais; espalham seus artefatos bélicos e disseminam muita discórdia no mundo árabe³. E outros mundos.

O Manifesto