terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A vaca sorridente*

“O Ocidente ficou ao lado do líder quase até o final, apesar de o déspota ter transformado seu país em um Estado policial e saqueado sua economia.” Quem reconhece é a conservadora revista alemã Der Spiegel, de maior tiragem europeia, em matéria da semana passada sob o título “Egito: Ocidente perde seu tirano favorito”. A palavra Ocidente aí é utilizada para definir os interesses dos países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos. Um poder que envolve as grandes corporações, entre elas, os detentores dos meios de comunicação. É por isso que somente depois da queda iminente e inevitável de Mubarak é que o mundo ocidental ficou sabendo que o Egito era uma longeva ditadura.

A fidelidade ao acordo feito com Israel e sua influência sobre o mundo árabe fizeram de Mubarak o queridinho de “presidentes americanos, chefes de Estado franceses, primeiros-ministros britânicos” e “os políticos mais importantes de Berlim.” Para o chanceler Gerhard Schröder o ditador egípcio era “um conselheiro particularmente importante”. Em março de 2010, ele foi recebido pela chanceler Angela Merkel em Berlim. Quando trataram sobre direitos humanos “nunca foi além de um diálogo cauteloso”, diz Der Spiegel.

Na mesma linha de raciocínio, Kenneth Maxwell, colunista da Folha de S Paulo, lembra, com oportunidade, famosa frase do presidente Franklin Roosevelt, em 1936, sobre Anastasio Somoza, por muito tempo ditador da Nicarágua: "Somoza pode ser um filho da puta, mas é n o s s o filho da puta". À época, frase tinha a virtude de sumarizar a política de Roosevelt com relação à América Latina. “Mais tarde, durante a Guerra Fria, essa postura se tornou comum”. E não difere da postura atual: Foreign Policy, desta quinta-feira, ironizou editorial do Wall Street Journal, para quem "ditadores pró-Estados Unidos têm mais escrúpulo moral".

Segundo Maxwell, Mubarak era visto como um baluarte dos interesses estadunidenses “e como fiel da paz com Israel. Auxiliou os Estados Unidos na primeira Guerra do Golfo Pérsico e na reconquista do Kuwait depois da invasão do país pelo Iraque de Saddam Hussein. Como resultado, o Egito teve US$ 14 bilhões em dívidas perdoadas pelos Estados Unidos e pela Europa”. Segundo Der Spiegel, Mubarak há muito é considerado um tirano. “Ele transformou seu país em um Estado policial. Mais de 1 milhão de informantes, agentes e policiais supostamente mantinham a população de mais de 80 milhões sob vigilância.”

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, nesta quinta-feira, o linguista estadunidense Noam Chomsky revela o comportamento dos Estados Unidos ante os atuais movimentos no mundo árabe. Para ele, Washington segue manual tradicional: continuar apoiando seu aliado até o limite possível e “se ele se tornar insustentável, dar um giro de 180 graus, incorporar-se ao novo poder e restaurar o velho sistema de interesses. Para isso, os Estados Unidos contam com um poder “constrangedor”. Segundo Chomsky, depois de Israel, o Egito é o país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington.

Em declarações ao Herald Tribune, em 15/02/2011, Jonas Gahr Store, ministro das Relações Exteriores da Noruega, declarou que “as políticas do Ocidente para o Oriente Médio precisam responder ao fato de que o futuro da região será cada vez mais moldado pelas vozes de uma sociedade civil jovem e pluralista”. Mesmo caminho que traça Maxwell sobre o futuro da região: “Ninguém sabe quais serão as consequencias das revoluções populares que varrem o Oriente Médio. A esperança é a de um futuro mais democrático, mais aberto e mais esclarecido. No entanto, uma coisa é certa, diz o colunista, “caso isso aconteça, não terá sido graças àqueles que passaram 30 anos percorrendo o caminho da conveniência dos Estados Unidos”.
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(*) “Vaca sorridente”, apelido que Mubarak recebeu pelo sorriso que costumava exibir atrás do ex-presidente egípcio Anwar al Sadat. Mubarak se tornou rapidamente um líder poderoso após o assassinato de seu antecessor em outubro de 1981.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Outra tarefa para Lula


Nada do que será dito aqui terá qualquer nível de dificuldade para sua comprovação. Basta consultar fontes confiáveis e fazer a leitura crítica da mídia especializada. Consultar especialistas sem nenhum tipo de compromisso com as paixões político-partidárias. Há alguns. Por isso, por haver, na qualidade de estudante de Jornalismo, pesquisado o tema, tomo mais uma vez a liberdade de sugerir ao ex-presidente Lula que, de mãos livres e de sentimentos livres, desmitifique o lugar-comum que a mídia e a oposição plantaram em mentes acríticas ao alardear que o governo Lula foi uma continuação do governo anterior.

Em março de 2009, o editor Fareed Zakaria, da revista britânica Newsweek¹, dizia ao presidente brasileiro ser ele “provavelmente o líder mais popular no mundo”. E perguntava: “Por quê?". Lula respondeu: "nós tentamos provar que era possível desenvolver crescimento econômico simultaneamente com melhora na distribuição de renda". Essa é provavelmente a grande diferença do Brasil de hoje para o Brasil de ontem, o Brasil do FMI. E qual será este Brasil do FMI?

Ainda no primeiro mandato FHC, quando o real, a moeda brasileira, estava indo pelo ralo, Clóvis Rossi, repórter especial da Folha de S Paulo, perguntava por e-mail² a Jeffrey Sachs, atual diretor do "Instituto da Terra" da Universidade Columbia, de Nova York, que “já foi considerado, pela revista Time o economista mais influente do mundo”, se ele concordava que o real estava derretendo. Ao que Sachs respondeu, quase que imediatamente: "Quando você receber esta mensagem, (o real) já terá derretido".

“Foi por pouco, muito pouco” (que não derreteu), comentou Rossi. Embora a hipocrisia militante antilulista do jornalismo brasileiro, em especial o da área econômica, tenha ocultado o fato por três períodos eleitorais (2002, 2006 e 2010), todos sabemos que Bill Clinton fez aportar em nosso tesouro um pacote de 45 bilhões de dólares. Pacote que salvou o segundo mandato do seu leal amigo FHC e manteve afastado um perigoso “malfeitor”, de nome Lula da Silva. Ao mesmo tempo, escancarou nosso Tesouro ao comando do FMI.

Repete-se acriticamente que os fundamentos da economia no governo Lula foram herdados do segundo mandato de FHC. Um mandato totalmente monitorado pelo FMI. De positivo, o fim da farra irresponsável do compadrio com a “livre iniciativa” do primeiro mandato. Compadres ganharam bancos e empresas públicas, empresários amigos se locupletaram do dinheiro público, na farra das privatizações. 27 CPIs foram abafadas no Congresso Nacional. O FMI, claro, agia para proteger seu rico dinheirinho, cada vez mais engordado por juros estratosféricos. Ficou para Lula, no entanto, a dica da proteção da poupança nacional. O resto desta história o mundo, hoje, conhece muito bem.

Agora, num campo mais pedagógico, passadas as paixões do processo eleitoral, cabe analisar uma carta aberta³ que o professor Theotonio Dos Santos enviou ao ex-presidente FHC em resposta a outra carta aberta deste ao então presidente Lula. Era véspera da eleição e os marqueteiros tucanos insistiam em ocultar dos seus eleitores a era e a figura de FHC. Santos é Professor Emérito da Universidade Federal Fluminense, Presidente da Cátedra da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre economia global e desenvolvimento sustentável. Foi companheiro de FHC e Serra no exílio chileno dos anos 60.

“Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo.” (...) Inflação das mais altas do mundo... A crise de 1999, fruto de irresponsabilidade cambial eleitoreira suicida (um dólar = um real, lembra?)... A dívida pública brasileira passou dos 60 bilhões de reais para 850 bilhões de reais...”

Disse mais o professor Santos: “Nem falar da brutal concentração de renda que (sua) política agravou drasticamente neste país da maior concentração de renda no mundo... Um fracasso econômico rotundo... Uma dívida sem dinheiro para pagar”. Enfim, mais informações ao ex-presidente Lula, a quem cabe desmascarar o mito de um plano real na verdade fracassado, mas alavancado na hipocrisia da imprensa brasileira, a serviço de um duvidoso projeto tucano, sustentado em suspeitas alianças internacionais e nacionais.

http://www.newsweek.com/2009/03/21/lula-wants-to-fight.html (1)

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/clovisrossi/ult10116u659708.shtml (2)

http://theotoniodossantos.blogspot.com/2010/10/carta-aberta-fernando-henrique-cardoso.html (3)



(Twitter: http://twitter.com/sidneiliberal)

O Manifesto