sábado, 21 de fevereiro de 2009

O Leopardo

"É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma" (il Gattopardo)
Ainda que pareça distanciar-se dos interrogatórios duros e de outros aspectos polêmicos "da luta contra o terrorismo" de Bush, o governo Obama discretamente continua apoiando outros dos principais elementos da abordagem do seu antecessor na luta contra a Al Qaeda. Quem informa é The New York Times (NYT) desta quarta-feira (18), refletindo preocupação de defensores dos direitos civis.

Segundo o NYT, em cerimônia discreta de posse, funcionários graduados, nomeados por Obama, aprovaram a continuidade do programa da CIA de transferência de presos para outros países onde eles não contam com direitos legais. Também aprovaram a detenção por tempo indefinido de suspeitos de terrorismo sem que passem por julgamento, mesmo que sejam detidos longe de zonas de guerra.

O governo Obama ainda adota a argumentação de que os processos movidos por ex-prisioneiros da CIA podem ser arquivados com base na doutrina de "segredos de Estado". No início deste mês, um tribunal britânico citou pressões por parte dos Estados Unidos para que a Inglaterra não divulgasse informações a respeito de supostas torturas a que foi submetido um detento sob custódia dos Estados Unidos.

Esse tipo de sigilo é justificado pelo governo Obama como “proteção de informações sensíveis para a segurança nacional". Estes e outros sinais sugerem que as mudanças promovidas pelo governo Obama podem ser menos amplas do que muitos esperavam, e outros temiam. Para os grupos de defesa dos direitos civis, trata-se literalmente do retorno aos argumentos legais e às práticas de Bush. Mais do mesmo.

As recentes medidas do governo provocaram elogios por parte de defensores declarados do governo Bush. Na última sexta-feira (13), o conservador editorial do "Wall Street Journal" argumentava: "Parece que a arquitetura anti-terrorista do governo Bush está ganhando uma nova legitimidade, à medida que a equipe de Obama adota aspectos da abordagem anti-terrorista de Bush". (Fonte NYT, tradução UOL).

Conselhos dos mais velhos (1)

“A superação da crise deve levar em conta os desejos fundamentais dos homens, e não a estrutura de um sistema que não deu certo, pois, se recuperado, irá produzir os mesmos efeitos destruidores”. “O que precisa mudar é o comportamento da sociedade. (...) dos políticos e também da mídia, a propor novos desejos, compatíveis com a natureza humana, e não com os humores destrutivos da moda”.

Assim se expressou o jornalista e escritor Jorge da Cunha Lima na Folha de S Paulo da última quinta-feira (12). Do alto dos seus 77 anos, presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural, Cunha Lima afirma que “a economia de mercado foi tão mal-conduzida nos últimos 30 anos quanto a tentativa de salvá-la neste infeliz alvorecer de 2009”.

Ele lembra que os desejos induzidos pela economia de mercado, ao fim da guerra contra o nazismo, tornaram-se avassaladores depois da queda fria do comunismo. Nos anos 50, homens desejavam um Mustang, mulheres, vestir-se como Jacqueline Kennedy. Hoje, os homens mais simples se encantam com uma Ferari, as mulheres, com o anel de 30 mil reais que Patrícia Pilar usava na novela. Global, claro.

Para Jorge, a economia capitalista tornou-se modelo único e indiscutível, exatamente porque o desejo de consumo, consumindo as mentes, aperfeiçoava e estimulava a oferta. O segredo era simples: crédito farto a serviço do desejo. O desejo do supérfluo virou febre de consumo galopante. Com a gula “maior que a fatia, o crédito revestiu-se de artifícios embutidos e juros explícitos, quase imorais”.

Segundo Cunha Lima, a exuberância do progresso se baseou em sonhos. Para saciar o desejo de um tênis Nike, o menor aponta um revólver para a cabeça de outro menor. Para comprar uma bolsa Vuitton, muitas belas jovens já se prostituíram. Cabe à sociedade definir e qualificar os desejos para impor o exercício do poder em nome dos fundamentos da vida, não dos fundamentalistas da globalização.

Conselhos dos mais velhos (2)

Em 1929, quando o estouro da Bolsa de Nova Iorque gerou a mais grave crise do capitalismo, era consenso que os governos deveriam manter austeras suas políticas monetária e fiscal, por temor de uma possível inflação, quando houvesse a recuperação do consumo e do investimento. O que se viu, porém, foi uma deflação infindável que perpetuou a recessão. Desemprego, empobrecimento em massa.

É o que diz Paul Singer, 76 anos, economista e professor da FEA-USP, na Folha de S Paulo desta terça-feira (17): “diante do desastre, alguns governos jogaram o consenso conservador fora e passaram a usar o crédito e o orçamento público para fomentar diretamente o consumo, a inversão (investimento) e a substituição de importações, tendo em vista incrementar a qualquer custo a atividade econômica nacional”.

Segundo Singer, “essas políticas, movidas pela coragem do desespero, lograram fazer com que o mundo emergisse de uma crise que parecia não ter fim. Economistas de peso aprovaram então a nova heterodoxia, entre os quais John Maynard Keynes, que depois elaborou uma teoria geral para demonstrar que as políticas heterodoxas eram racionais tanto para remediar crises financeiras já estouradas como para preveni-las”.

Diz o emérito professor que nas quatro décadas seguintes o arsenal keynesiano impediu novas crises financeiras de âmbito global. E que somente no fim dos anos 70, quando a onda neoliberal começou a desmontar os controles da especulação, voltaram os consensos falaciosos de que as crises se resolveriam com os equilíbrios fiscais. Muito embora os EUA continuassem, espertamente, praticando o keynesianismo.

Hoje, abaladas as mais importantes corporações planetárias, destruídos trilhões de dólares de capitais fictícios acumulados nas Bolsas, o pânico se apossou das finanças, contaminou a mídia e a opinião pública. E os novos instrumentos para salvamento da economia mundial estão exatamente no velho paiol de John Keynes: políticas de fomento do consumo, do investimento e do emprego. Velhos conselhos.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Motivos não declarados

Os idos de Janeiro

Dia 5, Noam Chomsky vê na diplomacia a “única alternativa sã para o ciclo de violência que atinge desde o Oriente Médio até a Ásia Central e ameaça devorar o mundo”. Para ele, “um corolário é reconhecer que a violência somente gera mais violência. “Ajudaria se o governo de Obama, e o Ocidente, enfrentassem os motivos não declarados que movem a política na região”. Ler mais

Dia 17, a Assembléia Geral da ONU apoiou uma chamada de cessar fogo em Gaza, a retirada das tropas israelenses e a liberação do território palestino para ajuda humanitária. A resolução recebeu 142 votos favoráveis e quatro contrários: a Venezuela, por achar pouco enérgica a resolução; Estados Unidos, Israel e... Nauru (ver no Google), por aprovarem o massacre. Ler mais

Dia 19, a Anistia Internacional (AI) encontrou provas que demonstram o uso "indiscriminado" de fósforo branco por parte do Exército israelense em Gaza, o que qualificou de "crime de guerra", de acordo com a própria organização. Funcionários da ONU e de outras organizações humanitárias já haviam denunciado o uso da substância no território palestino. Ler mais

Dia 19, a chanceler israelense, Tzipi Livni, candidata oficial ao governo de Israel, declarou: “Nós procuramos alvejar os terroristas, e às vezes pode acontecer de civis serem atingidos na luta contra o terror”. Para ela, a morte de mais de 700 civis (muitas mulheres e crianças) foi "fruto das circunstâncias". “Estou em paz com o fato de termos feito", disse. Ler mais

Dia 26, o presidente Evo Morales saudou a vitória no referendo sobre a nova Constituição boliviana como o fim do Estado colonial. Tem razão: o tamanho máximo das propriedades rurais será de 5 mil hectares; os povos indígenas passam a ter direitos sobre a terra, os recursos florestais e hídricos; empresas estrangeiras serão obrigadas a reinvestir seus lucros na Bolívia. A copiar. Ler mais

Acordo humanitário

Alan Jara passou mais de sete anos se esquivando de bombas jogadas pelos militares contra seu cativeiro na selva. Ele disse na semana passada, logo após ser libertado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que o presidente Álvaro Uribe em nada contribuiu com o fim do seu drama. “O presidente Uribe não fez nada para garantir nossa liberdade".

Ex-governador do Departamento do Meta, Jara foi capturado pelas Farc em 2001. Ele é o quinto refém a deixar o cativeiro em menos de uma semana por iniciativa da guerrilha. A operação humanitária teve apoio logístico do Brasil e uma emblemática hesitação do governo da Colômbia.

"As bombas caíam muito perto de nós", disse em coletiva de imprensa, sentado ao lado da esposa, Claudia, e do filho de 15 anos. "Na selva, o mundo está de ponta-cabeça, os rebeldes me protegiam e o Exército me alvejava (...). O medo não era de que os rebeldes me matassem, e sim o Exército."
Em ações de resgate anteriores, muitos reféns foram mortos pelo Exército da Colômbia.

As Farc ainda mantêm consigo 22 reféns políticos, que o grupo pretende trocar por cerca de 500 guerrilheiros presos. "Um acordo humanitário é a única forma possível de salvar as vidas dos que ainda estão lá", disse Jara. A proposta é antiga e não conta com a simpatia do governo colombiano.

Em quase sete anos de governo, Uribe recebeu bilhões de dólares dos EUA para combater a guerrilha e o narcotráfico. Hoje, o narcotráfico freqüenta os salões palacianos e, segundo Jara, milhares de jovens continuam aderindo às Farc. "As Farc não foram derrotadas por nenhum meio,... mas na selva há muitos guerrilheiros, a maioria deles jovens”.

A nova toupeira - os caminhos da esquerda latino-americana

A América Latina irrompe o século XXI diante de um novo dilema. Se a independência e os projetos nacionalistas estiveram na ordem do dia em outros momentos históricos, hoje o desafio é superar as políticas falidas do neoliberalismo. Esse é o ponto de partida em A nova toupeira, os caminhos da esquerda latino-americana, o novo livro de Emir Sader.

Com lançamentos em São Paulo, nesta segunda-feira (9), e no Rio nesta quinta-feira (12), o livro aborda as “incessantes contradições intrínsecas do capitalismo que não deixam de operar mesmo quando a “paz social” – a das baionetas, a dos cemitérios ou a da alienação – parece prevalecer”.

Como aponta o autor, “na virada para do terceiro milênio a América Latina surpreendeu o mundo ao contestar o modelo que até então reinava absoluto”. Assim, foram eleitos os presidentes latino-americanos que contrariavam “a proposta norte-americana de um tratado de livre-comércio para as Américas. Aprovada quase unanimemente em 2000, a ALCA foi rejeitada e enterrada em 2005”.

Para Emir, “O continente americano é o de maior grau de desigualdade no mundo – e, portanto, de injustiça –, situação que só se acentuou com a década neoliberal”. Mas, “os duros golpes sofridos pelo campo popular, tanto com as ditaduras quanto com as políticas neoliberais, não faziam pressagiar uma mudança tão rápida e profunda”.

Diante deste quadro, A nova toupeira procura entender em que medida o neoliberalismo permanece hegemônico, analisando a natureza dos atuais governos latino-americanos e propondo um debate fundamental para a compreensão das questões políticas de nosso tempo.

O Manifesto