terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Jornal do Commercio recria a Setembrizada em pleno Carnaval

Há 178 anos o Recife viveu a histórica Setembrizada, “arrastão” promovido, segundo Semira Adler Vainsencher, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, “por soldados insubordinados, que arrombam, saqueiam e cometem inúmeras atrocidades em casas particulares e estabelecimentos comerciais”. Diz Samira que “As lutas duram três dias (14, 15 e 16 de setembro de 1831), deixam um grande número de mortos, mas os indisciplinados são vencidos. (...) correu muito sangue, e os soldados não faziam a menor cerimônia em matar e roubar”.

Nesta segunda-feira, “Vândalos promovem arrastão na Boa Vista”. Manchete com que o JC criou uma fantasia de Setembrizada em pleno Carnaval: “Gritos, correria e garrafas quebradas. (...) foliões que voltavam para casa após o show do Cordel do Fogo Encantado, no Marco Zero, foram acuados por vândalos que promoviam um arrastão”. “Arrastão” que não houve, a deduzir do confuso texto do JC Online, reproduzido na edição impressa desta terça-feira. (*)

As fontes que o jornal apresenta traduzem o pouco zelo com o leitor. Um motorista de táxi a declarar “Eu estava dormindo. Só vi o pessoal gritando”; um estudante de física que ouviu “gritos e correrias”; um estudante de medicina que preferiu correr, mesmo sabendo que “podia ser apenas uma brincadeira”; e, finalmente, uma fonte segura na capenga apuração do JC: “a Polícia Civil não registrou nenhuma queixa de arrastão na Conde da Boa Vista”. Pergunta-se: cadê o “arrastão”, que mereceu manchete em capa de jornal?

Quem de nós desconhece a presença desses excessos de um ou outro folião embriagado, desde os velhos carnavais, quatro da matina, a quebrar sua garrafa já vazia, culpada por não haver mais um bar aberto? Quem nunca se assustou com os gritos ou correrias que esses fatos podem originar? É muito pouco para um investimento jornalístico. Melhor considerar uma fantasia do jornal com modelo em fantasmas do passado. Ou falta de assunto do jornalista e preguiça dos editores?

Se não for isso, essa fantasia midiática pode sugerir, o que é muito grave, uma tentativa de desconstruir ou macular a bela imagem da nossa expressão multicultural e do exemplo ordeiro de participação popular que o Recife tem oferecido ao mundo.

(*) http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/02/16/not_366409.php

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