quinta-feira, 27 de maio de 2010

A guerra dos botões

Intifada


Caro Marquinho

O poder da mídia está bem mais acima do que o poder eventual de um Cidadão Kane, um Roberto Marinho ou mesmo um Guillermo Zuloaga. O problema maior é o controle da comunicação que no mundo todo está circunscrito a meia dúzia de megaempresas. Refiro-me à televisão, ao livro, jornal, revista, cinema, rádio, a despejar em nossas cabeças, já muito ocupadas com o cotidiano, a notícia já selecionada, conforme mostra “A Caixa de Sapatos de William Bonner”, postado no Boletim HSLiberal. É desse modo que recebemos, muitas vezes de forma descuidada, a informação que outros interesses produzem. E falo apenas daqueles que, como nós, lê, ouve e vê com alguma criticidade. Imagine aqueles que nem tempo tem para pensar.

Recorrer à Justiça? Primeiro, ela nunca fará, como nunca fez, a reposição justa por um dano causado pelo desproporcional poder midiático. A notícia irresponsavelmente dada, sem a apuração profissional da cartilha jornalística, não tem o seu desmanche garantido, mesmo que desminta em igual tamanho e lugar. Nem há dinheiro que pague uma difamação, uma calúnia, um dano moral. E veja que a não apuração tem sido a tônica mundial, com reclamos que vão de Obama a Chávez. Em segundo lugar, os donos da Justiça têm o mesmo DNA que os donos da comunicação, no mundo inteiro.

Imagine o estrago que fazem, em escala mundial, os meios de comunicação que, como você bem diz, “pode criar heróis ou bandidos, levar uma pessoa ao sucesso ou apeá-la dele, santificar ou satanizar grupos ou indivíduos”. E quem são os donos dessa mídia pós-derrocada da União Soviética, num mundo não mais bipolar? Hoje, o partido único, que você tanto teme, tem sede em Washington. E quando falo de partido, estou falando do Mercado, do deus-mercado. Mas, também poderia estar falando de único partido no poder nos EUA. Ou os Democratas e Republicanos têm alguma diferenciação ideológica entre si?

A guerra e a arrogância de Obama são diferentes ou mais amenas do que a de Bush? Diminuíram ou aumentaram os esforços da guerra imperialista de ocupação e de alteração da geopolítica mundial? Aumentaram ou diminuíram os poderes dos órgãos multipolares que garantiam certo equilíbrio, certa limitação ao insaciável expansionismo bélico de Washington?

Diante de tanto poder, é desprezível a discussão sobre uma pretensa limitação da mídia na Venezuela. Recorrentes divulgações da imprensa brasileira dizem que a imprensa de Caracas não pode se manifestar contra o governo. Os fatos históricos não são assim. Ali, a mídia privada, que é a grande maioria, pregou explicitamente durantes meses, diariamente, em todos os canais e em todos os horários, a deposição do governo. E a mídia conseguiu o golpe, apeando do poder o presidente eleito pelo voto democrático. Com ajuda de Washington, documentadamente. Veja (não deixe de ver) o vídeo “A revolução não será televisionada”, de cineastas irlandeses. Ou “A Guerra contra a Democracia”, do premiado jornalista John Pilger. Não sejamos apressados, caro Marquinho, em julgar o processo venezuelano.

Tampouco não nos apressemos em crer, sem criticidade, os mitos e exageros adrede plantados em livros, jornais, cinemas, revistas, televisões, rádios, sobre os processos da antiga União Soviética, da Revolução Cultural chinesa, da Revolução Cubana ou do processo cambojano. Essa visão distorcida e recorrente tem um objetivo muito claro: esconder o outro lado da História. Uma cortina de fumaça esconde a verdadeira dimensão do nazismo, cujas cifras de extermínio, 6 milhões de judeus, são cotejadas com supostos 60 milhões de mortes creditadas a Stalin. A discussão do tema extermínio esconde as mortes praticadas contra a resistência de nações invadidas em sua soberania pelas guerras de expansão e de conquistas de bases militares e de petróleo.

Veja, caro Marquinho, que quando você fala de Hiroshima e Nagasaki, não por sua culpa, não aparece a assinatura na terrível obra macabra com que os Estados Unidos da América inauguraram seus brinquedos de destruição em massa. Milhares de vidas destruídas de uma só vez, outras tantas condenadas a doenças fatais pelo resto de suas vidas. Até parece que foi fruto de uma fatalidade. Mas, não foi. Foi tio SAM quem cortou a fita simbólica da Era Nuclear. Hoje, EUA declaram ter 5 mil e tantas ogivas nucleares, fora as não contabilizadas, por não se submeterem ao crivo da AIEA. Falo das que Washington assiste “tecnicamente”, na Índia, no Paquistão, em Israel.

Por falar em Israel, Intifada é, do lado palestino, “A Guerra dos Botões”*, diante do despejar de mísseis judeus numa população de velhos, crianças e mulheres, encurralada no gueto de Gaza. Ou mísseis ianques nos povoados da Coréia, do Vietnã, antes, do Iraque, do Afeganistão, hoje.

E você sabe, caro Marquinho, de que lado estão os pouquíssimos donos de quase todos o meios de comunicação no mundo.


(*) A Guerra de Botões - Filme clássico do cinema francês, de um lirismo impressionante, dirigido por Yves Robert, em1962, baseado na obra do escritor francês Louis Pergaud, “La Guerre des Boutons” (1913).

Um comentário:

Sergio disse...

Sensacional ! E um prazer ler o boletim.

O Manifesto