Sidnei Liberal
A arrogância da realeza espanhola é uma cultura de 500 anos. Juan Carlos de Bourbon é o exemplo mais emblemático da postura arrogante dos portadores do DNA dos nossos exploradores históricos, espanhóis e portugueses que, mancomunados, exterminaram, de forma impiedosa, numerosas nações que agrupavam nossos antepassados índios que bravamente reagiram à imposição do trabalho escravo. E o objetivo do alienígena não era outro senão extrair do nosso solo toda a riqueza que consolidou a soberania econômica da península ibérica. Agora, é nossa tentativa de soberania que começa a incomodar a antigos e novos impérios.
Nada incomoda mais aos EUA do que o fato de algum país do seu quintal não seguir sua receita e suas imposições comerciais, sua exploração. O que incomoda não é o fato de a Venezuela querer recriar a república bolivariana ou Cuba manter-se socialista. É a soberania desses paises que incomoda: por não querer aceitar os espertos tratados de livre comércio, que nada têm de livre. Por não aceitar a “democracia” estadunidense, que hoje é imposta por mais de 750 bases militares fora do seu território e centenas de acordos de “colaboração” espalhados pelo mundo. Quem não está no figurino do tio Sam, está no “eixo do mal”.
A franchising da dominação cria um conluio de nações que as redes de notícias denominam de “aliados”, termo usurpado da união de nações em luta contra o nazi-fascismo que assolou o mundo nos anos 30 e 40. Hoje banalizado, o termo tem servido ao mal, como a ilegal invasão do Iraque, a proteção de ditaduras como a da Arábia Saudita, do Paquistão e outras, e a irrestrita defesa do criminoso expansionismo israelense. Nesse jogo, José María Aznar, como Tony Blair e outros, é um pitboy de Bush. Todos contra o sonho de soberania de que a rejeição à ALCA e a tentativa de integração latino-americana são os primeiros passos.
Não podemos esquecer que Aznar perdeu o poder justamente por ter sido flagrado pelo eleitor espanhol, às vésperas do pleito nacional de 2004, em uma farsa montada com parte da mídia espanhola sobre a autoria do ataque terrorista ao trem madrileno. Confirmada a autoria de um grupo de origem árabe e não ação da esquerda ligada ao grupo separatista basco ETA, o pitbull fascista, desmascarado, perdeu as eleições. De bandeja, o poder ao insosso José Luiz Zapatero, que até hoje é refém do PP (o Demo de lá) e puxa-saco de El-Rey. Não nos esqueçamos que Juan Carlos é filhote de Franco, a quem traiu para manter o cetro.
É que Juan Carlos de Bourbon, hoje, é garoto-propaganda de grandes empresas espanholas. As mesmas empresas que foram arregimentadas pelas ordens de Aznar à sua embaixada em Caracas, em abril de 2002, conforme o próprio embaixador revelou 2 anos depois, para apoiar o golpe contra o governo legal e legitimamente constituído na Venezuela. Vitorioso o golpe midiático e militar, o embaixador e executivos empresariais foram os primeiros a participar do beija-mão do efêmero ditador Pedro Carmona, antes mesmo do entusiasmado aplauso do representante dos EUA, conforme revelou Mauro Santayana ao Jornal do Brasil.
O “porque não te calas” de Juan Carlos é uma dessas tentativas de desqualificar um ato de soberania. Uma manifestação multissecular de desprezo pela pauta do colonizado. Uma atitude que o próprio Chávez qualificou de explosão: “quando o Rei explode diante de expressões de um índio, está explodindo 500 anos de prepotência imperial...” Prepotência que permite a El-Rey não responder a uma incômoda pergunta do presidente venezuelano: se ele sabia do golpe de abril de 2002 contra o governo venezuelano democraticamente eleito. São muitas as razões para o sábio conselho de frei Pilato: “Chávez, não se cale!”
Frei Pilato Pereira, frade capuchinho, de Santa Maria (RS), vai mais além: “Não há mais colônia espanhola por essas bandas. Ora, o rei esqueceu que deste povo latino americano nasceram José Martí, Simon Bolívar, Che Guevara e outros compatriotas da Pátria Grande que encorajaram o povo a lutar pela liberdade e não aceitar mais a opressão”. Sobram razões ao presidente brasileiro Lula para condenar os críticos da legitimidade democrática do mandato e dos atos de Chávez . Como sobram razões ao presidente da Venezuela para rever, como profundidade, as relações políticas econômicas e diplomáticas com a Espanha.
De novo, o ex-presidente Aznar, como revela o jornal argentino Página /12 desta sexta-feira, 16/11, é suspeito de mais um golpe em nossa América: o de financiar governadores, agentes sócio-políticos e imprensa com o objetivo de aprofundar os movimentos separatistas na Bolívia. O financiamento é de uma velha golpista, do Brasil de 1964, a USAID, agência de “cooperação” estadunidense. Há poucos dias, o presidente Evo Morales mostrou, na Cúpula Ibero-americana do Chile, a fotografia em que se vê o embaixador dos EUA em companhia de conhecido paramilitar colombiano, hoje preso na Bolívia.
Legítimo representante da sua gente e da cultura do seu país, herdeiro da bravura rebelde e heróica de 500 anos, coube ao índio-presidente uma frase lapidar: “Si yo me callara gritarían las piedras de los pueblos de América Latina”. Resposta perfeita à repercussão prenhe de euforia dada pela nossa mídia colonizada e por apressados operadores sócio-políticos, aqui e alhures, pretensos porta-vozes da opinião pública. “É o cala-boca que o mundo queria dizer”, dizem, com petulante e duvidosa criatividade. Referem-se a que ou a qual mundo? Ao mundo que tem a cabeça do eterno colonizado e ao mundo colonizador. Provavelmente.
A Escócia do século 13, os clãs divididos pelas disputas de territórios e poder político, tornara-se presa fácil. O Rei inglês, Edward "The Longshanks", invadiu a Escócia com seus exércitos impiedosos esmagando toda resistência. A tarefa de resistir foi deixada para um escocês comum, William Wallace, um fazendeiro livre. O Coração Valente. Conclamando milhares de escoceses para a sua causa, Wallace enfrenta imensas desvantagens para lutar pela liberdade do seu povo. A América de 1498 foi presa fácil natural à impiedosa invasão de El-Rey. O Coração Valente da América Latina é a consciência do seu povo.
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