segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A hiena Hardy e a CPMF

Sidnei Liberal

Um popular desenho dos anos 60 retratava o exagerado pessimismo lamuriento da hiena Hardy, que a todo instante repetia seu tedioso "Oh, céus! Oh, vida! Oh, azar! Isso não vai dar certo!". Nada lhe contentava, nem mesmo o repique incansável do leão Lippy: "Anime-se, Hardy". É exatamente com a hiena Hardy que a astuta Mirian Leitão quer que lhe confundamos. Nada de pessoal contra a Mirian. É que sua figura está multiplicada e difundida por tudo que é mídia neste país. Há sempre uma Mirian em cada Carlos Nascimento, cada Boechat, nas redações de Veja, O Globo. E em cada um dos adrede “especialistas” dos jornalões.

A Mirian também está em cada um dos demoparlamentares, neste caso, por identidade ideológica. No caso anterior, também por militância político-partidária, a se configurar a provável tese do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos sobre o partido da mídia. A tática da hiena da Mirian é fazer pensar, por exemplo, que ela é contra a entrada da Venezuela no Mercosul porque seu eventual mandatário não teria o perfil democrático exigível. E, pasme-se, os parlamentares do Demo, ex-PFL, ex-PDS, ex ARENA, aliados históricos do golpismo e da ditadura militar, a quem deram sustentação política, usam a mesma cara-de-pau.

O verdadeiro motivo: O mesmo que os fazem ardorosos defensores da esperta ALCA e que os fazem boicotar o MERCOSUL. Porque lhes incomoda os governos que o voto popular vem colocando América Latina afora, maiormente comprometidos com os interesses populares, por isso, tratados como “populistas”. Por priorizarem investimentos (a que as hienas chamam “gastança”) em políticas públicas de interesse popular, dentro de um projeto desenvolvimentista socialmente sustentável. A integração latino-americana contraria o expansionismo do capital transnacional sob a batuta de Washington, ícone histórico dos entreguistas.

Não é diferente combater a CPMF. Basta o mesmo perfil ludibrioso oposicionista, e, desta vez, com o reforço corporativo da poderosa FIESP. A volta da mesma cantilena da falsa hiena Mirian que quer que se acredite que a nossa carga tributária é a maior do mundo. Não o é. E ninguém lhe acrescentou qualquer alíquota desde 1º de janeiro de 2003. Pouco antes, crescera cerca de 50%. O que hoje cresceu foi o volume de arrecadação como decorrência do aumento da bem-vinda movimentação da nossa economia e do aperfeiçoamento do mecanismo da cobrança dos impostos. Assim, cresceu parte do nosso seguro anti-crise externa.

Mais: Foram desonerados impostos na área da cesta básica e da construção civil, na indústria de informática, entre outras, beneficiando a população mais pobre. Mas, isso não interessa à FIESP, cujo presidente, Paulo Skaf, amargou, em público, sagaz crítica do cirurgião Adib Jatene, criador da contribuição: ''No dia em que a riqueza e a herança forem taxadas, nós concordamos com o fim da CPMF. Enquanto vocês não toparem, não concordamos. Os ricos não pagam imposto e por isso o Brasil é tão desigual”. E, com o dedo na ferida: ''É que a CPMF não dá para sonegar!''.

A contribuição foi um artifício provisório, fruto da genialidade criativa e espírito público do Professor Adib, para tentar enfrentar e suprir o crônico desrespeito da nossa elite dirigente pelos recursos da e pela própria saúde pública. A condição de transitoriedade da contribuição foi subordinada à eternamente prometida reforma tributária que até hoje não chegou, não por culpa de A ou de B, mas de todos, de A à Z, com maior peso para a guerra fiscal entre governadores, que parece não ter fim. Portanto, a causa que deu origem à contribuição não foi, ainda, superada. E a CPMF continua, portanto, provisória. E necessária.

Dados do Departamento de Estudos Técnicos da UNAFISCO reforçam a tese do Professor Adib e revelam que a tributação sobre o consumo e o incidente sobre os salários dos trabalhadores respondem por 65% dos tributos no Brasil. Os impostos patronais e aqueles que os que os ricos mais deveriam pagar, têm a complacência dessa mesma gente (parodiando o Bornhausen). Por isso, embora sejam 10, 20, 100 vezes maiores que a CPMF, não se vê vivalma a lhes fazer oposição. Por que? Porque se pode sonegar. Não é sem razão que os tribunais estão abarrotados de demandas pela burla do fisco.

Para Alfredo Bessow, jornalista e apresentador do programa Bom dia, Servidor! Da rádio Brasília, “há uma imensa falácia, um cinismo sem limites, uma hipocrisia digna de ser premiada – tudo isto protegido pela ação irresponsável de boa parte da mídia nacional ao não dizer porque alguns senadores são contra a prorrogação da CPMF. Não os move outro sentimento a não ser o de proteger sonegadores. (...) Qualquer argumento cai por terra diante da realidade: a CPMF é o mais democrático dos impostos... e é combatido por ser o único que não pode ser sonegado, que não pode ser contestado por ações na Justiça”.

A CPMF, além da eficiência e imunidade à sonegação, permite transparência e justiça tributária. Por isso mesmo, é abominada pela marginália que necessita usar a rede bancária (não se costuma conduzir dinheiro por aí em carrinho de mão) para seus negócios escusos. Habituados ao enriquecimento ilícito devido às vantagens que lhes proporcionam nosso complicado sistema legal de tributos, instituições financeiras, empresas de todos os portes, traficantes, agentes públicos ou privados, que corrompem ou que são corrompidos, trafegam nos escusos caminhos do caixa-dois, da lavagem de dinheiro, das transações sem a nota fiscal.

Bastante emblemático o fato de que somente nos primeiro 7 meses deste ano de 2007 a Receita Federal flagrou, mediante menos de 3 mil autuações, desvios da ordem de R$ 40 bilhões. Destes, somente o setor industrial responde por cerca de R$ 11 bilhões. (Pelo número de autuações, já se percebe o tamanho da concentração de renda no Brasil). Bancos e outros serviços financeiros, como seguradoras geraram R$ 9,5 bilhões em créditos para a Receita Federal. Mais de R$ 2 bilhões foi a “contribuição” de empresas de vários portes. Cerca de R$ 200 milhões de créditos auferidos de diversos profissionais liberais e autônomos.

São os caixas-dois de advogados, médicos, dentistas, de quem poucos de nós, para usufruir redução no preço do serviço, não dispensaram a respectiva nota fiscal, tornando-nos comparsas do esperto profissional no crime de lesa-pátria. Hoje, essa gente reforça as campanhas do tipo Xô, CPMF! Ao lado daqueles que não querem enxergar o dedo do cirurgião na ferida pelo fato de que 60 dos 100 maiores pagadores de CPMF são sonegadores habituais do Imposto de Renda. Por isso, querem transformar cada brasileiro numa hiena Hardy.

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