por Sidnei Liberal
Matéria de Jonathan Wheatley, no Financial Times de 3 de julho de 2007, sob o título Doce atração pelos biocombustíveis do Brasil, informa que a transnacional Noble Group acaba de comprar sua usina brasileira e já está duplicando o seu tamanho, pretendendo investir US$ 200 milhões. Outros grupos de investidores, internos e externos, já estão montando seus portfólios com base na cana-de-açúcar.
A ADM, estadunidense, está construindo uma usina em Mato Grosso e visa o negócio do açúcar e etanol. A Odebrecht se prepara para gastar até R$ 5 bilhões ao longo dos próximos cinco anos nesta área. Espera-se que o número de usinas em operação aumente das atuais 335 para algo em torno de 425 em 2012, cujos investimentos poderão totalizar US$ 15 bilhões.
Lembra Wheatley que o primeiro objetivo é o mercado brasileiro. Porque é a 10ª para 8ª maior economia do mundo; um dos maiores consumidores do etanol combustível; mais de 3/4 dos carros novos podem rodar a etanol, gasolina ou mistura dos dois combustíveis e a gasolina automotiva tem um quarto de etanol. E taxa anual de crescimento tendendo a 5%, o dobro dos crescimentos europeu e estadunidense, permite a manutenção da atual produção de veículos. O mercado internacional está cada vez mais entusiasmado, principalmente depois da intenção do presidente George W. Bush de aumentar o consumo de etanol para sete vezes a atual produção estadunidense até 2017.
Em matéria anterior o Financial informava que vários líderes nas Américas – o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o irmão do presidente Bush, Jeb Bush, que preside a Comissão Interamericana do Etanol - começaram a compartilhar do entusiasmo do presidente Lula, argumentando que a cooperação entre o norte sedento por energia e o sul rico em tecnologia poderiam formar a base de uma integração maior e de relações políticas mais saudáveis através do hemisfério. Em março, a Comissão Européia, o braço executivo do grupo de 27 países, estabeleceu que pelo menos 20% de toda a energia consumida pelo bloco devem ser provenientes de fontes renováveis até 2020.
E quais são as preocupações se o sonho de muitos investidores é que o Brasil se torne uma "Arábia Saudita verde", fornecendo ao mundo uma nova alternativa aos combustíveis fósseis?
Recente estudo divulgado pela FAO – o órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – sugere que a crescente demanda por biocombustíveis está levando a uma alta dos preços internacionais de alguns alimentos. Leia aqui matéria da BBC Brasil sobre o assunto. Segundo Abdolreza Abbassian, um dos autores do estudo, “A produção brasileira ainda é maior que a demanda. Mas isso vai mudar a partir do momento em que as nações desenvolvidas decidirem liberalizar o mercado de etanol e eliminarem as tarifas sobre o álcool brasileiro”.
Ainda com informações da BBC-Brasil, o jornal espanhol El Mundo diz que a União Européia não quer "etanol sujo" do Brasil. Referência à desconfiança em relação às práticas de cultivo, vistas por líderes europeus como potencialmente danosas ao meio-ambiente. De Londres, o Financial Times também centrou sua matéria nas conseqüências ambientais. "A cana também não seria cultivada na Amazônia por razões climáticas, embora críticos digam que as plantações podem substituir culturas como a soja, e estas penetrariam na floresta amazônica." Produtores de cana de açúcar já estão avançando sobre o cerrado no Brasil, e plantadores de soja já estão destruindo a floresta amazônica.
Da Itália, La Republica lembra a recente libertação de 1.106 trabalhadores forçados de uma fazenda de cana-de-açúcar no Pará. "A operação de maquiar as condições de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar indica que o presidente Lula precisa enfrentar as críticas contra a solução do etanol, que se tornou o próximo grande negócio da economia brasileira." "Nas plantações de etanol, milhares de camponeses emigrados do nordeste vivem da miserável paga de um euro por tonelada de cana, sujeitos aos abusos dos patrões e da precariedade”. Ainda estão longe de serem resolvidos: condições precárias de trabalho, conflitos violentos por terra, mortes e graves problemas de saúde devido à utilização de produtos químicos e ao desflorestamento.
Para complicar os passos do importante projeto brasileiro, Pablo Uchoa informa de Londres, pela BBC (clique e leia), que cerca de 200 organizações ambientalistas assinaram uma carta aberta em que qualificam de "grave ameaça disfarçada de verde" a idéia de elevar a produção e o consumo de biocombustíveis no mundo. "Ainda que isto pareça uma grande oportunidade para as economias do sul, a realidade demonstrou que as monoculturas para biocombustíveis, como de palmeiras, soja, cana-de-açúcar e milho, conduzem a uma maior destruição da biodiversidade e do sustento da população rural."
A América Latina seria a região do globo mais atingida por um eventual aumento de preços em conseqüência da produção acelerada de biocombustíveis, segundo o jornal americano The Christian Science Monitor. A indústria de frangos vê subir os preços das rações e consumidores mexicanos vêem dobrar, de um salto, o preço do tradicional pão de milho. Os ambientalistas preocupados com a quantidade de fertilizantes necessária às colheitas extras questionam se o etanol vai beneficiar ou prejudicar as economias latino-americanas. Segundo o jornal da cidade de Boston, a demanda por matérias-primas de biocombustível elevou em quase 50% o preço do milho no país entre agosto e dezembro do ano passado.
Em uma conferência internacional sobre biocombustíveis em Bruxelas, o presidente Lula procurou convencer a audiência européia de que o Brasil inspecionará seu etanol de exportação, para certificar que o produto respeita critérios ambientais, sociais e trabalhistas. Não parece uma tarefa fácil, posto que um verdadeiro cipoal de preocupações vem mobilizando personalidades e instituições no mundo inteiro, secundando uma das mais dramáticas reflexões do presidente Fidel Castro. Resulta emblemático que para se manter intocável a indústria automobilística – mesmo sabendo-se que cada veículo automotor corresponde a uma pessoa com desnutrição crônica, num total de 800 milhões – tende-se a trocar o alimento pelo combustível na prioridade agrícola global.
Prioridade Agrícola 1 publicada no Portal Vermelho
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