Por Mylton Severiano.
No fim do ano passado, em visita à França, vi num canal de televisão um debate sobre os rumos da esquerda, da democracia, do socialismo. Falaram homens e mulheres de tudo quanto é tendência. Durou mais de duas horas. O programa vem à memória quando finalizamos, na redação de Caros Amigos, a reportagem principal de nosso próximo número, de setembro. Usamos como gancho o movimento “Cansei” e estendemos o alcance de nossa lente a várias esferas, política, esporte, humor, publicidade, música, judiciário, meios de comunicação – estes, que agora me trazem à lembrança o programa de alto nível da tevê francesa, porque jamais veríamos algo parecido por aqui.
Estaríamos atravessando uma nuvem de mediocridade em várias áreas? Um de nossos entrevistados, o jurista Dalmo Dallari, acha que, no caso do judiciário, o que existe é “um excesso de escândalo sobre coisas que não são novas”, por exemplo a lentidão da justiça, que o próprio judiciário “hoje está atacando”. Para Dallari, portanto, sinal de mediocridade é um fato só merecer notícia se “virar escândalo”.
Um dos entrevistados que me couberam, o colega Paulo Henrique Amorim, classifica o “Cansei” de “um movimento da extrema direita, que cansou de perder eleição”. Diz que o Brasil que “ficou medíocre” é o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e do “grupo de intelectuais paulistas” que o cerca – “eles iam iluminar o Brasil com sua inteligência superior”, mas o projeto “foi pro saco porque não era um projeto”.
A ensaísta e teatróloga Heloneida Studart, deputada fluminense pelo PT, não perdoa nem suas cores, “vivemos uma mediocridade de políticos de alguns partidos, inclusive do meu, que ainda não compreenderam que a política é o grande movimento pelo bem público, não pelos interesses pessoais”.
Entrevistamos representantes da política, do jornalismo, da publicidade, da justiça, das ciências sociais, do cinema, dos quadrinhos; e um jovem do hip-hop de Brasília – que, enquanto nos falava ao celular rodando de carro pela periferia da capital federal, foi parado e revistado duas vezes pela polícia (em matéria de pegar no pé de pobres e negros a polícia não é nada medíocre). A sensação de mediocridade é geral, mas a vários entrevistados não escapa que existe um Brasil grandioso, aonde a mídia não vai, porém, por isso ninguém vê. É o caso do Nordeste, cuja economia cresce ao ritmo de 10% ao ano – “cresce a taxa chinesa”, diz Paulo Henrique Amorim.
Outro colega, Ricardo Kotscho, que trabalhou no governo no início da gestão Lula, ressalta: “A vida da maioria das pessoas está melhorando, todos os indicadores mostram, não é porque trabalhei no governo, é só pegar salário, emprego, inflação controlada, juros caindo, exportações, balança comercial, consumo de alimentos, cimento. Enquanto isso, você pega os jornais e parece o apocalipse.”
A princípio, salta das inúmeras entrevistas que coletamos a constatação, mais uma vez, de que a mediocridade é um fenômeno “de mídia”, por sua vez nivelada “por baixo”. Recentemente, por exemplo, meu televisor quebrou e deixei pra lá. Fiquei quase um ano sem ver televisão regularmente. Não fez grande falta. É como diria Oswald de Andrade: a ausência desse jornalismo praticado hoje em dia preenche uma lacuna. Mas aguarde o número de setembro de Caros Amigos. Há grandes e saborosas revelações na reportagem principal.
Esta matéria do jornalista Mylton Severiano foi publicada em 23/08/2007 na 303ª edição do Fórum Caros Amigos.
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