domingo, 27 de janeiro de 2008

Algumas histórias que o Caçador de Pipas não conta

Algumas histórias que o Caçador de Pipas não conta

O filme “O Caçador de Pipas” tem o mérito de apresentar um painel sobre a cultura, as tradições e a vida no Afeganistão, pelo relato da amizade de dois meninos afegãos. A obra de ficção tem como pano de fundo a parte da história que compreende a queda da monarquia nos anos 70, a invasão dos soviéticos e a ascensão dos talibãs ao poder. É justamente nesse pano de fundo que desbotam os méritos da obra. O filme é uma adaptação do best-seller do médico Khaled Hosseini, nascido em 1965 em Cabul, que vive nos EUA desde 1980. O livro foi todo escrito na Califórnia. Hosseini só voltou ao Afeganistão depois do livro ter sido lançado, 27 anos após ter deixado o país.

Essa distância espacial e temporal ajuda a entender as omissões históricas e a visão generosa com o papel dos EUA na destruição de sua terra natal. Quando visitou o país, após a publicação de seu livro, ele ficou chocado. “Infelizmente, o que vi por lá era pior do que aquilo que imaginei e narrei. A destruição do país é impressionante, muito triste”, declarou. No livro (e no filme), o escritor é grato pela acolhida que teve nos EUA, país “onde ninguém se importaria com o fato de seu personagem Hassan ser um hazara”. O filme mostra os soviéticos e os talibãs como seres monstruosos e pervertidos, mas omite “detalhes” do papel que os EUA tiveram no fortalecimento dos talibãs e na sua chegada ao poder.

Assim como ocorreu com Saddam Hussein no Iraque (contra o Irã) os talibãs também se juntaram aos EUA contra os soviéticos. Se Hosseini não tivesse escrito o livro inteiramente na Califórnia, baseado apenas em sua memória e imaginação, talvez tivesse produzido um relato histórico um pouco mais fiel. Ao final do filme, o que fica é a selvageria soviética e talibã, de um lado, e o papel "salvador" e "civilizador" do Ocidente, do outro. Não diz que EUA e Inglaterra – e os aliados Paquistão e Arábia Saudita – contribuíram decisivamente para tornar o país um monte de ruínas.

Uma boa fonte para preencher essa lacuna é o livro “A grande guerra pela civilização – A conquista do Oriente Médio”, do jornalista inglês Robert Fisk, que passou os últimos 29 anos cobrindo as guerras no Oriente Médio. Em seu livro de quase 1.500 páginas, publicado no Brasil pela Editora Planeta, Fisk conta algumas histórias que o caçador de pipas não conta.
(Leia na íntegra o texto de Marco Aurélio Weissheimer para a agência Carta Maior)
[1].

A gastança e os pobres

“Especialistas” e “analistas” adrede convocados pela imprensa, repetem, a toda hora, aquilo que a oposição e setores da mídia querem ouvir e de modo acrítico repetir aos quatro ventos. A Mirian Leitão tem uma receita infalível: Perguntada sobre o que se deveria fazer no Brasil para enfrentar a crise dos agiotas do setor imobiliário dos EUA, ela responde, desta vez sem gaguejar: “Parar com a gastança”. A população, diante de irresponsável bombardeio, assustada, por lhe faltar a contradita, passa a também repetir. O país estaria submetido a irresponsável gastança que colocaria o futuro da economia em risco. A excelente matéria do economista Antônio Prado para Valor Econômico em 10/01/2008 contraria essa mesmice.

Com dados do IPEA sobre os últimos 17 anos fiscais, ele mostra queda dos gastos com pessoal como proporção do PIB. E que a dívida pública só faz cair desde 2002. A economia, sob a forma de superávit primário, no atual governo, está acima do que é preciso para estabilizar a dívida líquida do setor público. O esforço reflete na queda do déficit nominal, que hoje é menor que o exigido pelo Tratado de Maasthicht para permitir o acesso dos paises à União Européia. Como se pode falar em gastança? Prado responde que talvez seja porque os gastos com o INSS sejam maiores que os gastos com os juros da dívida pública, o que denota uma velada, mas real, ação distributiva.

Esta seria a fonte de tanta exasperação. Uma legítima disputa pelo orçamento público, como a do Welfare State versus Warfare nos EUA, que no Brasil coloca em campos opostos, de um lado, os gastos com a rede de proteção social e também com a infra-estrutura produtiva básica, contra, do outro lado, os gastos com os juros e as desonerações tributárias na acumulação de riquezas. É uma disputa comum na ordem social capitalista. Mas que fique claro o que está em jogo. Enquanto o dinheiro público fluiu por décadas para a construção de quase todos os impérios empresariais brasileiros, não houve no andar de cima quem reclamasse da gastança. Ou que a eficiência do sistema estava em risco.

O destino do dinheiro público cumpria uma função na acumulação privada de capitais, enquanto a renda se concentrava. Hoje, quando o nosso Índice de Desenvolvimento Humano atinge o bloco dos paises de cima, a pobreza cai com força, o salário mínimo real dobra, a renda, o crédito e o consumo disparam, ressurge com toda força o falso temor ao Estado perdulário. Não é por acaso.
(Leia matéria integral do economista Antônio Prado para Valor Econômico)
[2].

Silêncios obsequiosos

O presidente-ditador Ernesto Geisel autorizou o assassinato do ex-presidente João Goulart. A ordem foi passada à inteligência uruguaia pelo conhecido torturador do governo brasileiro, Sérgio Fleury, na operação chamada Escorpião, acompanhada e financiada pela CIA (agência de inteligência dos EUA). Cápsulas envenenadas eram colocadas nos medicamentos que Jango tomava para o coração. A revelação foi feita pelo ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio Mario Neira Barreiro, preso desde 2003 no Rio Grande do Sul, em entrevista que a Folha de São Paulo publicou neste domingo, 27/01, o fato já havia sido divulgado em matéria da agência Brasil de Fato.

Durante muito tempo, a historiografia oficial tentou apontar o general Geisel como o campeão da democracia, que teria devolvido ao país a liberdade. As recentes pesquisas vão fazendo ruir esse mito que, aliás, os próprios áulicos da ditadura vêm abandonando, sobretudo depois da entrevista dada pelo general à historiadora Celina D'Araújo, onde justificou e defendeu o uso da tortura [3].

O jornalista Beto Almeida rememora que o “golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, é um trágico episódio da nação brasileira. Depôs um presidente legitimamente eleito, herdeiro das causas trabalhistas de Getúlio Vargas, exatamente quando havia recém anunciado ao país sua intenção de realizar Reformas de Base. Jango queria promover mudanças na injusta estrutura agrária, na infra-estrutura do país, mas, também, tinha o objetivo de limitar as escandalosas remessas de lucros ao exterior”. Foi esta a principal razão da participação direta do governo dos EUA nas conspirações para o golpe que instalou uma ditadura de mais de 25 anos no Brasil [4].

BRINDE: IMÁGENS DA DITADURA. FUNDO MUSICAL: PEQUENA MEMÓRIA PARA UM TEMPO SEM MEMÓRIA (A LEGIÃO DOS ESQUECIDOS) E ACHADOS E PERDIDOS. COMPOSIÇÕES DO GENIAL GONZAGUINHA. VOZ FEMININA: MARÍLIA MEDALHA.

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