sexta-feira, 24 de abril de 2009

Degradação do Judiciário

Premonições

“Se essa indicação (de Gilmar Mendes para o STF) vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.” E “a comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada.” (Dalmo Dallari professor da Faculdade de Direito da USP).

As premonitórias afirmações do eminente professor foram firmadas em artigo da Folha de S Paulo, do dia 8 de maio de 2002. Dallari se referia ao fato de que o presidente FHC “com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal (...) a toda a comunidade jurídica.”

Dallari via indícios de que se armava “uma grande operação para anular o STF, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo (FHC), mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte.”

À época, em texto sob o título “Degradação do Judiciário”, o celebrado jurista dizia que “Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.”

Ao sintetizar “o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito”, Dallari, preocupado com a nomeação de Gilmar Mendes para o STF, dizia: “Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.”

Dalmo vai mais fundo: “É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo (Gilmar) especializou-se em ‘inventar’ soluções jurídicas no interesse do governo.” E: “Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.” À época, Gilmar chamava o sistema judiciário de "manicômio judiciário".

O ministro Joaquim Barbosa tem razão em suas atuais preocupações com o presidente do Supremo. Com base na convivência diária, quase sete anos depois, Joaquim constata as premonições de Dalmo Dallari sobre a progressiva degradação do Judiciário. Apenas duas novidades: a compulsão do presidente pela mídia e a adequação das expressões “degradação” e “inventar soluções”, agora substituídas por “destruição” e “jeitinho”.

Compulsão midiática

“A concorrida posse do novo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, foi uma festa para a mídia e para as oposições que enxergaram em seu discurso (...) a abertura de uma nova trincheira contra o governo Lula. A mesma mídia e a oposição, que por vezes se confundem, fazem de conta que a fanfarronice do ministro é uma vestalina preocupação (...) para cuidar bem da coisa pública.” (Boletim HSLiberal, edição de abril/2008).

A posse de Gilmar já tem um ano. De lá pra cá, uma estranha identidade com a grande mídia: a criminalização dos movimentos sociais, com ênfase para o MST e respingos no movimento estudantil; a falsa paranóia de um suposto “Estado policial”, pelo excesso de escutas telefônicas e uso de algemas, mas somente para quem tem a “sorte” de ser rico; o silêncio sobre supostas irregularidades de Gilmar, denunciadas pela Carta Capital.

Entre as supostas irregularidades, o pagamento feito por Gilmar Mendes (R$ 32.400,00) a um instituto, do qual ele é um dos proprietários. O instituto foi contratado para ministrar cursos a servidores do próprio STF que Gilmar preside. De outro lado, Carta Capital acusa Gilmar Mendes de ajudar o irmão caçula, Chico Mendes, a se manter no comando político de Diamantino (MT), com uso ostensivo do prestígio de seu cargo.

Outro silêncio bastante emblemático, da mídia, da oposição e de Gilmar, é quanto à revelação de Terra Magazine, que aponta relações promíscuas do banqueiro Daniel Dantas com a mais alta plumagem tucana. Segundo Terra Magazine, uma gravação feita pela Polícia Federal no bojo da Operação Satiagraha mostra diálogos que envolvem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nas negociatas do banqueiro.

A diferença entre Joaquim e Gilmar, quando este acusa aquele de “julgamentos distintos conforme a classe dos envolvidos”, é que a classe que Gilmar tem favorecido é a de meliantes travestidos de banqueiros ou de grileiros com a roupa de “arrozeiros” que a mídia lhes deu. No caso do já condenado banqueiro Daniel Dantas, tanto mídia quanto oposição e Gilmar só centram fogo na suposta ilegalidade da obtenção de provas.

Gilmar também favorece sua classe ao condenar como “ilegal” o repasse de verbas públicas a entidades ligadas à reforma agrária, por suposto financiamento de ocupações de terras socialmente improdutivas ou griladas. Ou quando não vê o grande despejo de verbas públicas, do INCRA, do FNDE e do MTE, para as entidades (OCB e SRB) ligadas aos grandes produtores rurais e à Confederação Nacional da Agricultura.

Os movimentos sociais acusam essas entidades de financiarem, com dinheiro público, a defesa do regime de escravidão no campo, grilagens de terras públicas, abrangendo agressões ao meio ambiente e assassinatos e ameaças a agentes governamentais e lideranças comunitárias ligadas à reforma agrária, fatos que vêm ocorrendo com preocupante freqüência. Mas, são outras a agendas da mídia, da oposição e de Gilmar.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Exercício de servilismo

Leitura capital

Em que mídia brasileira pode-se ler/ver/ouvir que a cobertura feita do depoimento de Protógenes Queiroz na CPI dos Grampos, na quarta-feira, dia 8 de abril, foi o resumo exemplar da posição de um consócio montado na imprensa contra os efeitos da Operação Satiagraha, com vistas à “salvação não só de Daniel Dantas, mas da elite econômica e política ligada a ele, com a conivência obsequiosa do governo federal?”

Ou, de outra forma, que grande jornal/revista/televisão nacional poderia dizer como aquele consócio foi “montado para desqualificar o trabalho do delegado e livrar a cara do banqueiro Daniel Dantas?” E que para ver “basta chafurdar na série de recentes posts de blogueiros da linha auxiliar do esgoto, escalados para não contaminar as páginas com o lixo que realmente interessa aos jornais e revistas envolvidos nessa estratégia?”

Onde alguém leu/viu/ouviu ou ficou sabendo que o cediço presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba, do PMDB, como o falastrão deputado Raul Jungmann, do PPS, “foi financiado (em 2006) por Dório Ferman, executivo do Grupo Opportunity, do banqueiro condenado Daniel Dantas?”. E que, por isso, deveria “eticamente considerar-se impedido de ser o chefe (e subchefe) da cruzada dantesca no Congresso Nacional?”

A Carta Capital disse tudo. E disse com a responsabilidade da apuração, instrumento indispensável à credibilidade da informação, prática há muito abandonada pela nossa mídia venal, quase toda. E com a coragem de um grande jornalista que é Leandro Fortes, exemplo de profissional que faz do jornalismo, da sua prática e ensino, um posto avançado de combate contra a visível decadência da nossa imprensa.

Leandro mostra, por exemplo, como a chamada “grande mídia” blindou o novo chefe da Polícia Federal, delegado Luiz Fernando Corrêa, contra quem paira uma gravíssima denúncia de tortura. Corrêa comanda a nova PF e uma renovada operação Satiagraha, sem Protógenes, é claro. Na plateia, a claque dos bajuladores. Tanto jornalistas quanto donos de jornais, por interesses incompatíveis com o jornalismo.

Para Leandro, a doença infantil do elitismo nacional que se espalha como catapora pelas redações. Daí, a atual ofensiva do patronato contra o diploma de jornalista. Sem o diploma, “a formação dos jornalistas ficará a cargo desses cursinhos de redações... velhíssimos na forma e nos conceitos, voltados para criar monstrinhos competitivos despojados de qualquer consciência crítica sobre o que escrevem, apuram e publicam”.

O elevado grau de bajulação, hoje, na imprensa brasileira, preocupa Leandro, como jornalista e como professor de jornalismo. Escudados em infundada desculpa da sobrevivência, os repórteres estão indo às ruas com pouca ou nenhuma preocupação em relação à verdade factual, adestrados “por uma turma barra pesada que tem feito da atividade jornalística um exercício de servilismo”.

(*) Leia: “Tiro pela culatra”, por Leandro Fortes, na Carta Capital desta semana.

E quem é Glória Coelho?

Fillardis: Preconceito de estilista dói e dá pena (porThais Bilenky)

A atriz Isabel Fillardis ficou estarrecida com o comentário da estilista Glória Coelho, que diz não saber por que negros haveriam de estar na passarela em eventos de moda. Fillardis analisa que o preconceito "é subliminar":

- Ela não sabe que é preconceituosa. Eu vou crer nisso. Isso é preconceito. Ele só serve para servir, o negro. Para brilhar na passarela, para ser internacional, para ganhar dinheiro, como a Gisele ou como qualquer um, não pode. É horrível isso. Dói. Isso dói muito, sabe? E tenho pena. Eu tenho pena. Tenho, realmente.

Reportagem de Paulo Sampaio publicada no domingo (12) pelo jornal Folha de S.Paulo aborda proposta do Ministério Público Federal de criar cotas para modelos negros na São Paulo Fasion Week, evento dos mais importantes de moda do país.

Na matéria, Glória Coelho manifestou resistência à iniciativa. "Nosso trabalho é arte, algo que tem de dar emoção para o nosso grupo, para as pessoas que se identificam com a gente. (...) Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?".

Isabel Fillardis é hoje atriz global, mas começou a carreira aos onze anos de idade como modelo. Foi representada pela agência Ford Models, a mesma de tops como a israelense Bar Rafaeli. A atriz de 35 anos trabalhou com Paulo Borges, criador da SPFW, e também atuou no cinema. Diz agora que deverá "fazer coro à promotora" Déborah Kelly Afonso, autora do projeto de cotas na SPFW.

Fillardis foi informada por telefone sobre o comentário de Glória Coelho e demonstrou profunda indignação. Leia a entrevista com a atriz em Terra Magazine.

domingo, 5 de abril de 2009

De vira-latas e rottweilers



Duas metáforas perfeitas

Chique, para o dicionário Houaiss, é aquele que se veste com apuro e bom gosto e que se destaca pela elegância e ausência de afetação. Era assim que se comportavam aqueles senhores/as do FMI que vez em quando aportavam no Ministério da Fazenda ou no Banco Central. Sua missão? Dar contornos mais seguros e monitorar um arremedo de política econômica que quase levou o Brasil à bancarrota em pelo menos duas ocasiões.

Em 25 deste março, o editor Fareed Zakaria, da revista britânica Newsweek, dizia ao presidente brasileiro ser ele “provavelmente o líder mais popular no mundo”. E perguntava: “Por quê?". Lula respondeu: "nós tentamos provar que era possível desenvolver crescimento econômico simultaneamente com melhora na distribuição de renda". Essa é provavelmente a grande diferença do Brasil de hoje para o Brasil de ontem, o Brasil do FMI.

Chique, significa hoje para o presidente Lula e para os brasileiros em geral, uma nova postura diante do mundo. Em vez do pires sempre na mão, a mendigar os comprometedores dólares do FMI (leia-se o grande capital internacional), a elegância, sem afetação, de colaborar com um fundo multilateral que poderá tirar os países em desenvolvimento do lodaçal financeiro onde foram lançados pelos países ricos, brancos e de olhos azuis.

Daí, o lamento de Lula em artigo no Le Monde (2/04): “Ao contrário das crises desses quinze últimos anos – na Ásia, no México ou na Rússia – , a atual tempestade que arrebatou o planeta se originou no centro da economia mundial, nos Estados Unidos. Depois de ter atingido a Europa e o Japão, a crise ameaça os países emergentes que se beneficiavam de um extraordinário crescimento e de um saudável equilíbrio macroeconômico.”

O lamento serviu de base a uma marcante posição brasileira na reunião do G20 contra o famigerado “Consenso de Washington” que garantiu ampla concentração de dinheiro mundo afora. A própria Folha de S Paulo se dobrou, em editorial deste domingo (5/04) ao “o sucesso da participação brasileira, e da figura do presidente Lula em particular”, sobretudo pelo “papel que o Brasil passou a exercer entre as maiores economias do mundo”.

A ponderável participação do Brasil na recuperação da economia mundial foi registrada no dia anterior pelo jornalista Clóvis Rossi. Para ele, foi “ativíssimo” o papel de Lula na reunião do G20: “Fica claro que o Brasil não é mais vira-lata e, portanto, não depende de um afago de Obama ou de quem quer que seja para se sentir importante”.

O contraponto pessimista da oposição e de grande parte da mídia brasileira pode ser resumido no artigo do ex-presidente FHC, publicado no Correio Braziliense deste domingo (5/04). O artigo condena a desregulamentação do fluxo de capitais pelo mundo afora nos anos 90, como parte do “Consenso de Washington”, consenso ao qual sempre se submeteu autor do texto. Em meia página de jornal, sequer uma linha foi dedicada ao Brasil, como protagonista do esforço mundial conjunto contra os efeitos devastadores da atual crise.


O estado policialesco de Gilmar

O ministro Gilmar Mendes bem que poderia resguardar-se em suas limitações políticas, culturais e... jurídicas. Nesta quarta-feira (2/04), o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, rebateu críticas equivocadas e... inconstitucionais do presidente do Supremo. Indevidamente travestido de guardião-mor da República, Gilmar ataca desta vez a atuação do Ministério Público no controle da atividade policial.

Para Gilmar, o controle externo realizado pela Procuradoria é "lítero-poético-recreativo". Ele defendeu que o controle seja feito pelo Judiciário, de forma "independente". Para o procurador-geral, no entanto, a proposta de Mendes é inconstitucional, pois quem deve avaliar a instituição é a sociedade. A "ironia e a retórica não desqualificam o Ministério Público", rebateu firme Antonio Fernando de Souza.

Indo mais fundo, o procurador esclareceu que "Essa questão é uma atribuição expressamente atribuída ao Ministério Público, pela Constituição". E que: "Ao Judiciário deve ficar reservada a questão de julgar com imparcialidade. Se o Judiciário desempenhar bem a sua função, já presta um relevante serviço." Puxão de orelha a que Gilmar rebateu com sua habitual arrogância: “Isso é o Supremo que decide." (Texto original na Folha de S Paulo, de 02/04/2009)

Uma semana antes, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) rebateu declaração do presidente do Supremo de que a Justiça de São Paulo, na figura do juiz Fausto De Sanctis, tentou desmoralizar a Corte ao mandar prender pela segunda vez o banqueiro Daniel Dantas após o habeas-corpus concedido pelo STF. Para a Ajufe, a afirmação é "leviana" e Mendes, um"veículo de maledicências". Não será a profusão de habeas-corpus expedida por Mendes a causa da desmoralização da sua Corte?
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No início do mês, em visita ao Acre, uma ameaça de Mendes à liberdade de imprensa, sem a menor repercussão... na imprensa. Pergunta do jornalista: “o senhor tem se manifestado constantemente em defesa da propriedade, contra as invasões, mas em nenhum momento o senhor se manifestou contra dezenas, centenas de assassinatos de lideranças de trabalhadores rurais. Isso decorre do fato de o senhor ser ministro ou pecuarista?”

Mendes: “eu tenho me manifestado contra qualquer violação de direitos. Eu não quero que haja assassinatos... haja violência. Pode-se protestar... mas tem que ser respeitado o direito de outrem. A pergunta de qualquer forma é desrespeitosa. O senhor tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta. Eu não sou pecuarista”.

A pergunta do jornalista tem base em manifesto da Comissão Pastoral da Terra, não contestado publicamente, dizendo que Mendes “não esconde sua parcialidade e de que lado está” e que é “grande proprietário de terra no Mato Grosso”. Após a entrevista, o ministro, líder da paranóia de que há um estado policialesco no país, apelou à Polícia Federal: “Fiquem de olho naquele moço, pois ele é muito perigoso."
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O Manifesto