quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Fantasmas ambientais e sócio-trabalhistas

1. Em discurso, na ONU, nesta terça-feira, o presidente Lula garantiu que o programa brasileiro de bioenegia é modelo de redenção econômica para as nações mais pobres e que no caso do Brasil haverá blindagem contra os fantasmas de ordem ambiental e sócio-trabalhista. Vamos conferir.
2. Para atender lobby, o Senado atrapalha o processo de combate ao trabalho escravo no Pará.
3. O modelo das concessões públicas de radiodifusão ainda em vigor contribuiu de forma decisiva para fazer da rede Globo o império que é hoje. A democratização das comunicações é o caminho.
4. Nos processos eleitorais, em diversos países, a mídia perdeu seu protagonismo, converteu-se em polêmico ator político e abdicou de seu papel central de ser fórum da democracia.


1. Prioridade agrícola global (2). O relatório, “Perspectivas Agrícolas 2007-2016”, produzido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) afirma que “o uso crescente de cereais, cana de açúcar, sementes oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos dos combustíveis fósseis” vem elevando os preços dos grãos e, de forma indireta, dos produtos de origem animal. E que a alta dos preços dos produtos agrícolas é “motivo de preocupação para os países importadores, bem como para as populações urbanas pobres”. (...)

A defesa da expansão da agroenergia deve se submeter a uma regulação que confronte os problemas ambientais, sociais e trabalhistas intrínsecos à atividade, ciente de que a produção sucroalcooleira é historicamente responsável pela concentração de terras, pelo desrespeito às leis ambientais e trabalhistas, pela perpetuação da pobreza. Condições que dão aos pólos canavieiros os menores índices de desenvolvimento humano do país. Um bom projeto, entre as ressalvas apontadas, deve pautar a inclusão da agricultura familiar, que pode gerar uma boa complementação financeira, desde que não interfira na produção de alimentos.

(Leia íntegra do texto de Sidnei Liberal publicada no Portal Vermelho).

2. Senado dá apoio a trabalho escravo. Nesta quinta-feira (20), cinco senadores visitaram a fazenda Pagrisa, em Ulianópolis (PA), que no dia 30 de junho foi palco da maior libertação de trabalhadores da história do país. Ao todo, 1.064 trabalhadores que atuavam na lavoura de cana-de-açúcar foram resgatados pelo grupo móvel de fiscalização - formado por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do Ministério Público do Trabalho e delegados e agentes da Polícia Federal. Resultado: o MP abriu uma ação criminal contra a empresa, a Petrobrás deixou de comprar sua produção de álcool. Daí, a pressão da Pagrisa sobre o Senado e sua ação imediata.

A senadora Kátia Abreu afirmou que a empresa "é muito bem administrada e forma uma comunidade de trabalhadores rurais". Ela é uma das maiores opositoras do combate ao trabalho escravo. Quando deputada federal, defendeu os produtores rurais flagrados cometendo este tipo de crime e atuou contra a aprovação de leis que contribuiriam com a erradicação dessa prática. Vale lembrar que os auditores fiscais do trabalho que atuam na zona rural têm sido vítimas, por vezes fatais, de violência por parte de fazendeiros descontentes com as autuações. Os grupos móveis de fiscalização foram criados em 1995, desde então, essas equipes libertaram cerca de 26 mil pessoas.

(Ver matérias de Leo Sakamoto para a Agência Carta Maior e de Bia Camargo para Repórter Brasil).

3. Como se constrói um monopólio. Dia 5 de outubro vencem as concessões das principais emissoras de TV brasileiras. Cinco são da rede Globo. Caberá ao Ministério das Comunicações e à Casa Civil aceitar ou não os pedidos de renovação, por mais 15 anos, e submeter sua decisão ao Congresso Nacional. Lamenta-se que o procedimento, de tamanha importância política, econômica e social, seja apenas um rito burocrático. Para evitar que a data passe em branco, movimentos sociais e entidades ligadas à luta pela democratização da comunicação planejam promover manifestações e chamar a sociedade para debater o modelo das concessões públicas de radiodifusão.

O modelo em vigor contribuiu de forma decisiva para fazer da rede Globo o império que é hoje. Durante a ditadura militar, a Globo atualizou o projeto das elites do setor e foi beneficiada pelo acordo histórico com o grupo Time-Life, realizado em 1962, responsável por injetar capital estrangeiro na emissora, na contramão da legislação vigente. A relação entre o empresariado da cultura e governo militar era muito orgânica: O governo permaneceu como maior anunciante e a Globo, a grande captadora de verba publicitária do regime. Mas não foi só à época da ditadura que o regime de concessões e o Estado favoreceram a rede Globo. Vem, depois, a era ACM (...).

(Leia na íntegra esta importante matéria da jornalista Bia Barbosa para a Revista Forum).

4. Mídia e eleições na América Latina. Livro traz estudos sobre as relações dos meios de comunicação e as eleições em 12 países e revela que a mídia se converteu em um ator que tomou posição política. Essa instituição – o coletivo dos jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão – que se chama universalmente de mídia, se transformou em ator político central nas democracias contemporâneas. O livro acaba de ser lançado pelo C3 – Centro de Competencia en Comunicación, da Fundação Friedrich Ebert (FES), com sede em Bogotá, Colômbia. A FES, no Brasil há mais de 30 anos, coopera com o “desenvolvimento de regimes democráticos e participativos”.

Os textos mostram como muitas das questões que foram discutidas entre nós ao longo do processo eleitoral de 2006 – e continuam na agenda pública – também estiveram e estão presentes nos debates realizados nos países vizinhos. A tese principal do livro é de que o ano de 2006 passará para a história como aquele em que os candidatos "romperam seu amor pela mídia" e preferiram a comunicação direta com a cidadania. No processo, a mídia perdeu seu protagonismo e converteu-se em polêmico ator político. Resultado: um "novo amor" entre candidatos/governantes e as populações, um amor sem mediadores, que converteu a mídia na "vilã" da vida política.

(Leia toda a matéria do jornalista Venício A. de Lima para o Observatório da Imprensa).

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Agenda positiva

Boas novas passam quase em branco pela mídia. Talvez ocupada com sua agenda negativa. Mas, dá para pinçar das entrelinhas dos jornalões uma agenda positiva daquilo que interessa à nossa qualidade de vida, em amplo sentido: social, econômico, ambiental. Como um novo satélite sino-brasileiro que fornecerá imagens ao monitoramento do desmatamento e às pesquisas agrícolas e climáticas. Como os Resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – que nos dão o retrato de um Brasil significativamente melhor, que inclui aumento real da renda e do número de trabalhadores e a presença da quase totalidade das crianças brasileiras na escola. Há mais:

O Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef) divulgou que o Brasil reduziu em 48% a taxa de mortalidade infantil. Entre as crianças menores de cinco anos, a taxa passou de 60 óbitos para 31 a cada mil nascidas vivas entre 1990 e 2005. Segundo a Unicef, o país conseguiu evitar a morte de mais de 20 mil crianças. No mundo, foram registrados quase 10 milhões de mortes de crianças até 5 anos em 2006, contra aproximadamente 13 milhões em 1990. Leia a matéria de Gisele Barbieri para Radioagência NP.

Mais que uma boa notícia. O Brasil atingiu com dez anos de antecedência o primeiro e mais importante objetivo do pacto assinado no ano 2000 por 191 países: reduziu à metade o número de cidadãos que vivem em pobreza extrema. Entre 1999, período inicial de contagem, e 2005, ano-base da mais recente estatística, houve uma redução de 8,8% para 4,2% na parcela da população vivendo em absoluta precariedade. Pelo pacto, com aval da ONU, essa meta deveria ser atingida somente em 2015. Leia mais.

A Fundação Getúlio Vargas, retratando o mesmo universo, demonstra que aproximadamente seis milhões de pessoas foram salvas da miséria durante o ano passado, são 14 milhões nos últimos 4 anos. A desigualdade no país também caiu. A renda dos 10% mais pobres subiu 57,4% e a dos 10% mais ricos aumentou 6,8%. Pelos critérios da FGV, é miserável uma pessoa que tem renda domiciliar inferior a R$ 125 por mês.

Brasil é 5º país que mais reduziu CFCs, diz ONU. O Brasil é o quinto país, numa lista de 172 países, que mais reduziu o consumo de CFCs (clorofluorcarbonos), substâncias que destroem a camada de ozônio, segundo um ranking compilado pela Divisão de Estatísticas das Nações Unidas. Entre 1995 e 2005, o país cortou o uso dos CFCs em 9.928 toneladas de Potencial Destruidor de Ozônio, unidade usada para medir os possíveis danos causados à camada que age como um escudo que protege o planeta contra as radiações solares. Hoje, o Brasil nem importa nem produz mais CFCs. Fonte: BBC Brasil/Uol.

Vendas crescem 9,7% no ano, diz IBGE. As vendas do comércio varejista nacional cresceram 0,5% em julho na comparação com um mês antes. No confronto com o sétimo mês do ano passado, o volume de vendas teve alta de 9,2%. No acumulado do ano, viu-se acréscimo de 9,7%. Com o crescimento em julho, as vendas do comércio varejista acumulam sete meses seguidos de alta. O segmento de eletrodomésticos e móveis registrou variação de 18,2% no volume de vendas frente a igual mês do ano anterior. O comércio de veículos, peças e material de cresceu 13,3%. Explode o financiamento de casa própria, a compra de passagens aéreas. Mais informações.

Direitos Indígenas na ONU. Por 143 votos a favor e quatro contra, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas. O ato garante às populações indígenas direitos iguais aos de outros povos. O direito às suas terras e aos recursos naturais nelas contidos, o direito de receber educação em seus idiomas nativos e o veto a operações militares em seus territórios. Votaram contra: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, países que costumam priorizar seus interesses econômicos e temem que os índios recuperem terras que lhes foram tomadas. Vinicius Mansur para Radioagência.

Comissão veta sementes. A Comissão de Meio Ambiente da Câmara rejeitou o projeto das sementes de Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso, que lhes tornam estéreis. Este tipo de semente, chamado “terminator”, é proibido em todo o mundo. O projeto de autoria do deputado federal Eduardo Sciarra (DEMO-PR), permite a liberação para pesquisa e patenteamento de organismos geneticamente modificados – os transgênicos - que utilizam estas tecnologias. A não rejeição também piora a vulnerabilidade dos sistemas agrícolas, aprofundando a dependência de agricultores e do país ao controle de empresas estrangeiras sobre as sementes. Leia mais.

Vila Viva, uma favela modelo. Em Belo Horizonte uma vitoriosa experiência de reurbanização de bairros pobres. “El milagro se está realizando por obra de su activo alcalde, Fernando Pimentel. Vila Viva, la mayor favela de la ciudad, con 1,4 millones de metros cuadrados, se está convirtiendo en un modelo no sólo para las demás favelas de Brasil sino para otros países de América Latina que ya se están interesando por la experiencia. (...) para sacar a 50.000 familias del infierno de las favelas, dominadas por el tráfico de drogas, (...) sus moradores llevan una vida de terror y los niños corren peligro incluso a la hora de ir a la escuela” (El País.com internacional).

PM, sem-terra e o futuro do Brasil. Em vez de confronto, os sem-terra encontraram uma tropa de policiais desarmados e atentos às palestras que assistiram, lado a lado, em um auditório da Universidade Federal do Sergipe (UFS). Entre os palestrantes, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. Juntos, debateram o futuro do Brasil, dividindo-se em quatro oficinas. O objetivo do encontro, segundo seu organizador, o tenente-coronel da PM, Luís Fernando Almeida: pensar possibilidades de novas relações com foco no respeito mútuo e na busca da paz social. Que bom! Texto de Débora Lerrer, aqui.

BRINDE: CLIQUE AQUI E BAIXE, GRATUITAMENTE, NO PORTAL DA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, QUALQUER LIVRO DENTRE OS 43 TÍTULOS DISPONIBILIZADOS, NA ÍNTEGRA, NESTA QUARTA-FEIRA, DESDE CELSO FURTADO ATÉ MARK TWAIN.

Prioridade Agrícola Global (2)

Depois de constatar que o uso do grão na produção de agro-combustível fez aumentar a demanda e o preço dos alimentos, o governo da China anunciou em meados de julho deste ano que vai parar de produzir etanol à base de milho. Terceiro maior produtor mundial de etanol e pretendendo dobrar sua produção até 2010, suas usinas terão um prazo de cinco anos para se adaptar à substituição do milho por raízes, como batata doce, mandioca e sorgo, conforme as informações da Radioagência NP. Os fundamentos da decisão vêm reforçar recente relatório da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
O relatório, “Perspectivas Agrícolas 2007-2016”, produzido em conjunto com a OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é bastante contundente ao afirmar que “o uso crescente de cereais, cana de açúcar, sementes oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos dos combustíveis fósseis” é um fenômeno que vem elevando os preços dos grãos e, de forma indireta através do encarecimento da ração, dos produtos de origem animal. E que a alta dos preços dos produtos agrícolas é “motivo de preocupação para os países importadores, bem como para as populações urbanas pobres”.
O ex-deputado mexicano Victor Soares, em recente conferência sobre segurança alimentar relatou os graves problemas vividos por seu país com a explosão da demanda por agroenergia nos EUA, que quer dobrar a produção de etanol de milho até 2017: “Desde que o México assinou o acordo de livre comércio EUA/México/Canadá – NAFTA, aposta tudo no livre comércio e na exportação. Hoje, 15% da população mexicana sofrem de desnutrição. Por outro lado, graças ao alimento barato e de péssima qualidade imposto pela indústria de alimentos estadunidense, o México é o segundo país do mundo com mais problemas de obesidade. Com a exportação do milho para os EUA, a tortilla, principal alimento do país, aumentou 100%”.
Segundo Juliano Domingues, em Brasil de Fato, o Departamento de Agricultura dos EUA demonstrou que a produção de agro-combustível vem gerando aumento de preço de alimentos. Com isso, a inflação prevista para 2007 é a maior em 17 anos O aumento no consumo de etanol ampliou a procura por milho e isso fez seu preço subir 100%. De acordo com a ONG Earth Policy Institute, o encarecimento não se dá pelo aumento do consumo humano, mas pelo uso do milho na fabricação do combustível. A alta no preço estimula os agricultores a substituírem os cultivos de soja e de algodão, causando também o encarecimento destes produtos. A alta do preço do milho também se reflete nos preços de porco, frango e carne bovina.
De olho em outro aspecto do problema, Maria Luisa Mendonça, em Brasil de Fato, diz que quando o governo dos EUA quer a produção de agroenergia está visando o monopólio de fontes de energia: “Aproveitando-se da legítima preocupação da opinião pública internacional com o aquecimento global, grandes empresas agrícolas, de biotecnologia, petroleiras e automotivas vêem nos agro-combustíveis uma fonte importante de lucro”. Maria Luisa alerta para o fato de que “O efeito da nova ideologia do ‘imperialismo verde’ pode ser tão devastador quanto as guerras”. E que, assim, a expansão de monoculturas pode representar um risco maior para o aquecimento global do que as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis.
Mais uma questão: O Brasil, o quarto país do mundo que mais emite gás carbônico na atmosfera, tem 80% do total emitido decorrentes da destruição florestal, com tendência a aprofundar o problema face à pressão da expansão de monocultura para a produção de agroenergia. Como informa Verena Glass, em Carta Maior, essa e outras razões reforçam as preocupações do presidente da FAO, Jaques Diouff. Ele considera a segurança alimentar um problema ético, político e econômico, cuja solução estaria no “acesso dos pobres à terra e aos recursos naturais”. E ensina que cabe aos governos a administração da disponibilidade destes recursos e fazer com que produzir alimentos e agroenergia não sejam atividades excludentes.É nesse mesmo rumo que a Agência Carta Maior, de 12/07/2007, traz mais uma matéria de Verena Glass destacando as preocupações da Partido Verde da Alemanha em criar uma certificação internacional para a produção de etanol com vistas a garantir padrões ambientais, sociais e trabalhistas. Suas fundamentações levam em consideração que as energias renováveis, como os agro-combustíveis, são instrumentos fundamentais para o processo de independência das populações mais pobres, e essenciais no combate ao aquecimento global. Pelo PV alemão, uma certificação internacional deverá constranger as práticas ilegais e estimular a boa produção.
Por isso, tanto Jaques Diouff, ao reconhecer que a FAO não tem acúmulo suficiente sobre o tema para apontar soluções para os passivos sócio-ambientais, quanto o discurso dos verdes alemães vêm reforçar o direito soberano das nações em poderem expandir suas fronteiras agrícolas. No mesmo viés, o diretor da FAO para a América Latina, José Graziano da Silva, junta razões ao projeto brasileiro: “se a transição energética introduz uma sombra de incerteza em outras regiões do mundo, no nosso caso a abundância de terras, o clima, a experiência acumulada, a disponibilidade de mão de obra e a cooperação crescente entre os governos abrem uma oportunidade única para fazer da agroenergia o pilar de um projeto de futuro...”
A defesa da expansão da agroenergia deve se submeter a uma regulação que confronte os problemas ambientais, sociais e trabalhistas intrínsecos à atividade, ciente de que a produção sucroalcooleira é historicamente responsável pela concentração de terras, pelo desrespeito às leis ambientais e trabalhistas, pela perpetuação da pobreza. Condições que dão aos pólos canavieiros os menores índices de desenvolvimento humano do país. Um bom projeto, entre as ressalvas apontadas, deve pautar a inclusão da agricultura familiar, que pode gerar uma boa complementação financeira, desde que não interfira na produção de alimentos. Fiquemos atentos.
Publicado em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=25315

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Gestão temerária

Em 1997 a batida seca de um martelo de leilão foi abafada por milhares de batidas nas costas de manifestantes do movimento social contra um dos maiores roubos do século 20 e pela omissão da nossa conveniente imprensa. A venda, quase doação, da nossa Companhia Vale do Rio Doce se constituiu na maior transferência de dinheiro público para os amigos do poder. De tal monta que a soma de todos os escândalos que vimos nos últimos anos transformaram-se em café-pequeno servido após lauto banquete do reinado tucano. Mais um passo da política irresponsável de extermínio do patrimônio público brasileiro. A prisão de Cacciola é uma mínima parte do assunto que volta ao colo tucano.

Golpe de US$ 1,5 bilhões nas barbas do príncipe tucano (*). A prisão de Salvatore Cacciola em Mônaco cai como uma bomba no colo do governo FHC e do ministro Marco Aurélio de Mello. O caso Cacciola mostra as vísceras do Banco Central da era tucana, quando foi obrigado a desvalorizar a moeda e, de carona, salvar da falência que atingia o Plano Real e o País os banqueiros amigos do poder. O golpe de US$ 1,5 bilhão ficou muito escancarado e a Polícia Federal conseguiu prender Cacciola. É aí onde entra o herói dos bicheiros do Rio: o ministro Marco Aurélio de Mello deu uma liminar a Cacciola. Agora, a Justiça vai pedir sua extradição. Não há dúvida: Se Cacciola abrir o bico, tucano vai voar de costas.

Fique sabendo que (1): 1) A Companhia Vale do Rio Doce foi vendida em 1997 por menos de 4 bilhões de dólares apesar de avaliada em 92 bilhões à época. 2) Como foi dito depois pelo seu Diretor de Finanças, a Vale possuía um patrimônio de 40 Bilhões de dólares – 12 vezes o valor pago no leilão. 3) O Banco Bradesco foi escolhido para modelar a privatização da Vale o que lhe impediria legalmente de participar da compra de suas ações. Entretanto, o Banco Bradesco não só participou do leilão como é hoje o maior sócio privado da Vale. 4) Em 1995 a Vale declarou à Bolsa de Nova York que suas reservas de minério de ferro eram de 12,8 bilhões toneladas e no dia do leilão a informação registrada foi de 2,8 bilhões.

Fique sabendo que (2): 5) A malha ferroviária e dois portos foram "esquecidos" nos cálculos do valor de venda da Vale. 6) Grandes reservas de Nióbio e Titânio (minerais indispensáveis à indústria aeronáutica e aeroespacial), além de fosfato, cassiterita e estanho, foram misteriosamente omitidas nos cálculos do preço de venda. 7) Empresa lucrativa em visível ascensão, o principal motivo alegado à época pelo governo de FHC para privatizar a Vale foi o de reduzir nossa dívida externa. No entanto, o que depois ocorreu, pelo contrário, foi um substancial aumento das nossas dívidas. 8) Cercadas de poderosas influências e pressões contrárias em cima do STJ, tramitam na Justiça 107 ações que questionam a legalidade do leilão.

A elegia da hipocrisia. Por Helena Chagas (*). Quem hoje vê a animada defesa dos senadores pelo fim do voto secreto até acredita. Mas, em março de 2003, quando a Casa derrotou emenda do senador Tião Viana, do PT, acabando com o voto secreto para cassações, muita gente boa que discursa hoje para abrir o voto ficou contra. Entre eles, Arthur Virgílio, que hoje faz veemente defesa do voto aberto dizia na ocasião: "O voto secreto é um instrumento que deixa o parlamentar a sós com sua consciência em uma hora que é sublime, em que o voto é livre de quaisquer pressões, que podem ser familiares, do poder econômico, de expressão militar ou de setores do Executivo (e da mídia, não?). Voto pela manutenção do voto secreto".

A imprensa no Brasil é um partido político. É o que diz ao Conversa Afiada o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos (*): “Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil”. A imprensa se vê indestrutível porque resiste à democratização e à republicanização. E, como os militares de hoje se submetem mais à lei do que à imprensa, cabe a esta a capacidade de gerar instabilidade política. No Governo Lula, a imprensa pratica o “quanto pior melhor”: combate políticas que sabe serem benéficas ao país, por não tolerar serem praticadas por um líder comprometido com as classes populares.

O prefeito do Rio, Cesar Maia, noticia em seu ex-blog o protesto do PSDB (*) contra cena do filme “Tropa de Elite”, que ainda não estreou no cinema. Ele conta que, no filme, um candidato a senador que patrocina uma ONG ligada ao tráfico de drogas usa o número 451, identificado com o PSDB. Políticos do PSDB que assistiram ao filme “Tropa de Elite” na versão pirata ficaram indignados. Vê-se no filme o número 45 do partido como número de um candidato a senador que patrocina uma ONG ligada ao tráfico de drogas. Entre os políticos do PSDB as opiniões estão divididas: Alguns ameaçam processar o diretor do filme por danos morais. Outros acham que é melhor deixar pra lá (Fonte O Dia/Terra).

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEMO), reduziu o valor nutritivo da sopa que é servida aos pais e alunos de escolas e creches municipais. Atendendo à multinacional suíça Nestlé que quer participar da licitação para produzir a sopa. Antes, a refeição tinha sete quilos de carne, dois quilos de cenoura e três quilos de algumas hortaliças para cada 100 quilos de sopa distribuída. Com a mudança feita, a refeição irá conter menos de um quilo de carne e cenoura e somente um quilo hortaliças. A Associação Brasileira de Nutrição afirma que a redução nutricional da sopa vai contra ao que estabelece a Organização Mundial da Saúde.

Justificativa ou desculpa de amarelo? A Nestlé alegou que o pedido de alteração do edital foi para permitir a participação dos maiores fabricantes do setor, que já utilizam uma menor proporção dos nutrientes citados. A Secretaria de Gestão confirmou o apoio à sugestão. Por outro lado, a Justiça já vem de olho na Nestlé: em agosto deste ano, a empresa foi condenada pelos órgãos de defesa do consumidor por reduzir a quantidade de alguns produtos, entre eles cereais e biscoitos, sem aviso aos consumidores nas embalagens. Leia matéria completa de Gisele Barbieri (*) para Radioagência NP.

BRINDE: DOCUMENTÁRIO SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA VALE. VEJA: (1) A HISTÓRIA DA VALE. (2) A CAMPANHA A VALE É NOSSA. (3) A VALE E A QUESTÃO INDÍGENA.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Provando do próprio veneno

A grande mídia é dona absoluta do poder da informação e, da forma como hoje se expressa, muito mais opinativa do que informativa, torna-se importante instrumento de dominação de corações e mentes. O que seria instrumento de liberdade de expressão tornou-se arma de discricionário poder que é exercido sem a menor timidez. No Brasil dos últimos anos a grande mídia vem estimulando as mais diversas ações políticas contra a reeleição do presidente Lula e, depois, pelo seu enfraquecimento político. As CPIs, instrumentos democráticos do exercício do contraditório, foram transformados em caixa de ressonância de políticos narcisistas ávidos pelos focos midiáticos. CPI para tudo, até para o “fim do mundo”.

A mais nova CPI, entretanto, é para apurar as falcatruas da própria mídia, por suspeitos negócios em transações internacionais de grande porte. Hoje, é a venda da TVA, do grupo Abril, de Veja, à poderosa Telefônica e ontem, foram os negócios suspeitos entre as Organizações Globo e a fortíssima Telmex. Como a mídia reage frente a essa CPI? Com a faca que o ministro Levandowski já identificara no pescoço do Supremo e que agora passou à garganta do Congresso Nacional, seja pela ameaça editorial, como fundamenta o blog do Mello, seja pelo corpo-a-corpo direto a forçar cada um dos 182 parlamentares a desistir de suas assinaturas, em nome da desmoralizada “liberdade de imprensa”. Veja abaixo:

A “faca no pescoço”, identificada pelo ministro Lewandowski no julgamento dos “mensaleiros”, passa dos ministros do STF para os deputados. Assustada com as 182 assinaturas para abertura da CPI que investigará o negócio suspeito da venda da TVA, do Grupo Abril, à poderosa Telefônica, a revista Veja reagiu de pronto: atribuiu a iniciativa a uma retaliação do acuado senador Renan Calheiros e “um atentado à liberdade de imprensa”. Em seu editorial sobre o fato, a faca no pescoço: “O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem poderes para deter essa marcha da insensatez, e se o fizer estará prestando um serviço à imagem da instituição que preside”. Resultado: seis deputados retiraram suas assinaturas. Com informações do Blog do Mello.

Força-tarefa da Abril pressiona Deputados para abortar CPI da Abril-Telefônica. A Editora Abril está em plena atividade para abortar a CPI da Abril-Telefônica. Dia 05/09/2007 - na maior movimentação de parlamentares na Câmara Federal - um grupo percorria as dependências da Casa, pedindo aos 182 deputados que assinaram o pedido da CPI que assinem outro documento, com um contra-pedido. O jornalista Gustavo José Batista do Amaral, assessor de imprensa do Grupo Abril, que participava da ação, admitiu a coleta, mas disse que não sabia dizer quantas assinaturas tinham conseguido porque havia várias pessoas abordando os parlamentares. Amaral também reconheceu que o Grupo Abril não podia realizar a operação. Leia no Portal Vermelho.

Lulafobia. Segundo o professor Dalmo Dallari estamos vivendo uma epidemia de Lulafobia: “...é que as elites até hoje não se conformaram em ver um operário na Presidência da República... e têm muito medo de que isso crie um hábito, ... e querem de qualquer maneira desmoralizar o presidente Lula, para impedir que na sua sucessão se repita alguma coisa parecida”. “... infelizmente, grande parte da imprensa age segundo essa Lulafobia. Grandes jornais brasileiros se tornaram verdadeiros boletins anti-Lula. Hoje não se pode ler com confiança o noticiário político dos grandes jornais. Eu mesmo tenho feito uma observação que durante anos utilizei os jornais como matéria de aula”. “Hoje... não confio naquilo que sai na grande imprensa”. Leia mais na Tribuna da Imprensa.

Receita Federal autua desvios de impostos: R$ 40 BILHÕES em 7 meses de 2007. Indústrias respondem por R$ 11 BILHÕES em irregularidades no pagamento de impostos. Esse valor corresponde apenas a 2.908 notificações. Isso deve explicar o CAN$AÇO de membros da FIESP. Bancos e outros serviços financeiros, como seguradoras, com apenas 366 autuações, geraram R$ 9,5 BILHÕES em créditos para a Receita. Isso deve explicar o CAN$AÇO da FEBRABAN. Entre as pessoas físicas, o primeiro lugar em geração de crédito tributário ficou com os proprietários e dirigentes de empresas com R$ 2,136 bilhões em apenas 1.230 autuações. Habituais sonegadores, querem detonar a CPMF para continuar a farra da sonegação. Fonte: Agência Brasil.

A publicação inglesa Container Management divulgou o ranking dos 120 maiores portos do mundo em movimentação de contêineres. No Brasil, apenas os portos de Santos, em São Paulo, e de Itajaí, em Santa Catarina, figuraram na lista. O porto de Santos subiu cinco posições em 2006 em relação a 2005, alcançando a 39ª colocação, com um total de 2 446 milhões de unidades equivalentes a contêineres de 20 pés. Santos ultrapassou os portos de Kobe (Japão), Salalah (Oman), Oakland (EUA), Osaka (Japão), Le Havre (França), Keelung (Taiwan) e Seatlle (EUA). Continuamos sem saber onde está a tão falada ineficiência dos portos brasileiros como Santos, Rio, Paranaguá e Itajaí. E o "apagão logístico" alardeado pela Globo, onde está? Confira no blog Logística eTransporte.

Suspeito usual pela crise aérea o governo foi logo relacionado às 199 mortes, por políticos e mídia, que nem esperaram pelos dados das caixas-pretas. Clóvis de Barros Filho, professor de Ética da Comunicação, não se surpreende: "Já não é de hoje que a mídia em geral tem apreço por endossar versões que deslegitimam a ação do Estado". (...) ...sinais de politização em uma cobertura jornalística que deveria ser técnica. (...) “... existe uma confusão propositadamente estabelecida com o intuito de fazer com que um caso gravíssimo e episódico seja inscrito numa crise ...que não tem nada a ver com esse acidente." Leia em Terra Magazine a entrevista de Barros Filho, da Escola de Comunicação e Artes da USP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

BRINDE: CLIQUE NO TÍTULO: DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE E RECEBA EM ALGUNS SEGUNDOS AS 500 PÁGINAS EM PDF DO LIVRO EDITADO PELA COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS DA SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. MAIS UM PASSO CONTRA O OBSCURANTISMO.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Quem vem com tudo não cansa

por Luciano Rezende

Antes era o medo, agora o cansaço, outras propagandas derrotistas virão. O certo mesmo é que essa burguesia não se amedronta e tampouco se cansa em abusar dos trabalhadores. Em um país como o nosso, reconhecido mundialmente pela abissal e histórica concentração de renda, assistir aos ricos manifestarem “cansaço” é como levar um tapa na cara. Justamente essa que é uma das elites mais parasitárias e entreguistas do planeta.

Na linha de frente dessa campanha ganha destaque algumas atrizes e uma cantora que fazem papel de “garotas propaganda” dessa iniciativa da direita. Dizem que o movimento é apartidário, mas é difícil diferenciar o cartaz do “cansei” da capa da revista Caras do último mês, onde as mesmas aparecem como convidadas íntimas ao casamento de SoPHia, ao lado do pai Alckmin e sua esposa.

Recordemos a Comendadora da Torre no célebre Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado, em seus “ásperos tempos”, e veremos o retrato irretocável de Hebe Camargo e as outras “gracinhas” de sua estirpe. A mesma desfaçatez ao falar aos mais pobres no papel da mãezona que ama seus filhos bem comportados e subalternos, enquanto desfruta o glamour da aristocracia paulista, completamente desconectada do mundo real da grande maioria dos brasileiros.

Mas é nos bastidores desse movimento que figuram os “Costa Vale & Cia.” da atualidade. Aqueles que sempre se aliaram às forças mais reacionárias para impedir qualquer tipo de avanço democrático são os que hoje pregam o Movimento Cívico pelos Direitos dos Brasileiros (uma espécie de Marcha da Família com Deus pela Liberdade envergonhada). Embora apareça mais na mídia, João Dória Jr. é apenas uma figura emblemática de uma corja muito maior que sustenta essa orquestração golpista. Basta ver o espaço destinado aos “cansados” na grande imprensa, onde, para citar apenas um exemplo, ganha muito mais visibilidade uma manifestação com três mil pessoas na Praça da Sé e outra que logrou reunir 20 mil em Brasília contra a emenda 3.

Justamente essa “manifestação” dos ricos na Sé foi mais um espetáculo de deboche ao povo brasileiro. Quem passava pelo local na última sexta-feira na hora do almoço pode ver de perto as “madames enfadadas” citadas por Cláudio Lembo de perto. Uma espécie de gente muito exótica, realmente. Em cima do palanque o espaço era dividido entre atores, atrizes, cantores e os líderes da direita que usaram a dor dos parentes das vítimas do vôo da TAM para promover essa fanfarronice, embora esses não pudessem sequer subir ao palco.

É notório o mal-estar entre os “cansados” que evitam a pecha de elitista e anti-Lula conferida ao movimento. Nessa “sinuca de bico” se dividem entre aqueles que pateticamente imitam ser “povão” (uma inclusive relatou a um jornal que era do povo porque havia participado dos últimos dez carnavais no Rio!) e não permitem bandeiras do PSDB nas manifestações, daqueles que assumem sua posição de classe rebaixando todo o submundo dos analfabetos que votam em Lula. Parece que a revista Veja escolheu o segundo caminho ao endeusar o papel das elites, deturpando bizarramente a conceituação do termo (segundo Veja, milhões de brasileiros agora fazem parte da elite porque têm curso superior!).

Nada anormal para quem achincalha nosso povo e exalta os valores da burguesia. Da sua linha editorial exala o cheiro fétido da discriminação ao brasileiro em geral, que segundo um de seus principais colunistas, Diogo Mainardi, é o amálgama do degredado português, do negro insolente e do índio preguiçoso. Quem não se lembra do ódio despertado nesse semanário contra a campanha “Sou brasileiro e não desisto nunca” lançada tempos atrás pelo governo Lula?

Por nossa vez não cansamos de reafirmar nosso amor ao Brasil e a coragem para transformá-lo em uma grande e justa nação, socialista. Mais que nunca é importante evocar o trecho do hino da UNE que chama a juventude a atuar “sempre na vanguarda a trabalhar pelo Brasil”, sem cansaço ou desânimo. E é a isso mesmo que a União da Juventude Socialista responde com a campanha “Quem vem com tudo não cansa”. Milhões de jovens são chamados a não “virarem à direita” e perderem o rumo certo em direção ao Brasil de nossos sonhos.

Se muito já fizemos em apenas 507 anos de Brasil sabemos que muito ainda há por fazer. Mas todo esse desafio se apresenta de forma excitante, muito diferente do espírito derrotista das elites. A vitória de Lula foi apenas o início de outras conquistas que teremos mesmo entremeadas de algumas derrotas que virão.

O futuro nos pertence e não temos medo ou cansaço.

P.S.: Parabéns a toda Direção Estadual da UJS do Piauí pelo criativo protesto realizado contra a Philips, após o presidente dessa multinacional e integrante do movimento “cansei” ter insultado esse querido estado.

Esta coluna de Luciano Rezende, Engenheiro Agrônomo, mestre em Entomologia, membro da Direçao Nacional da UJS, foi publicada no VERMELHO em 22/08/2007.

Ameaças ao crescimento?

A TURBULÊNCIA financeira internacional ameaça o crescimento da economia brasileira? A preocupação com o tema é compreensível. Afinal, a história econômica do Brasil é marcada por crises cambiais recorrentes.No período Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, o quadro foi realmente terrível. O Brasil enfrentou crises de balanço de pagamentos em nada menos que seis dos oito anos do governo FHC! Cada vez que a economia brasileira ameaçava levantar a cabeça, sobrevinha um choque cambial e abortava o crescimento incipiente. Era o vôo da galinha, como se dizia na época. Pode acontecer o mesmo agora? Não parece provável.


Como tentei mostrar no artigo da quinta-feira passada, a posição brasileira é atualmente bem mais forte do que foi na década de 90 e no início da atual. Não somos invulneráveis, mas a balança comercial, o balanço de pagamentos em conta corrente, o ingresso de investimentos diretos e o nível de reservas internacionais indicam que o país pode resistir a choques externos de magnitude considerável sem ser obrigado a tomar medidas recessivas. Se a crise financeira externa se agravar, as nossas exportações sofrerão, é claro, afetando em alguma medida o ritmo de crescimento brasileiro.


Uma crise duradoura provocaria uma desaceleração da economia mundial e reduziria a demanda externa por produtos brasileiros e os preços das commodities exportadas pelo país. Não se deve perder de vista, entretanto, que a expansão recente da economia brasileira se apóia primordialmente no mercado interno, e não nas exportações. As fontes principais da retomada têm sido a ampliação do investimento e do consumo. O Brasil pode continuar crescendo mesmo que a economia internacional perca dinamismo. A maior ameaça ao crescimento talvez seja interna. A turma da bufunfa, embora "cansada", já se agita e já se mobiliza. Pede aumento do superávit fiscal primário. Quer que o Banco Central interrompa, ou pelo menos desacelere, os cortes na taxa básica de juro.


Repare, leitor, que o nosso juro real básico ainda é mais de três vezes superior à média internacional. Mas os bufunfeiros não querem nem saber. O presidente de um grande banco privado nacional, que acaba de divulgar lucros exorbitantes, pediu "prudência" ao BC diante da turbulência financeira externa. E sugeriu que a Selic seja mantida em 11,5% na próxima reunião do Copom. Na realidade, a turma da bufunfa é incansável. Sempre encontra um motivo ou pretexto para manter os juros nas alturas. Quando não é a crise financeira externa, é o risco de inflação. Quando não é a inflação, é o crescimento exageradamente robusto da economia brasileira. Quando não é o crescimento, é o risco de crescimento excessivo -e vai por aí. Se dependesse dessa turma, o Brasil estaria eternamente condenado ao crescimento medíocre.


Até o economista John Williamson, conhecido como "pai do Consenso de Washington", em entrevista publicada na Folha de ontem, comentou que seria "sábia" a decisão de continuar diminuindo os juros no Brasil."Não existe nenhuma base para pânico neste momento", declarou. Fiquei empolgado. Um economista subdesenvolvido sempre vibra quando encontra apoio externo. Ditas em inglês, por um economista do establishment internacional, as opiniões mais triviais adquirem ares de sabedoria profunda e inexpugnável. E ressoam intensamente (assim espero) nos subúrbios financeiros do planeta.


Esta opinião de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR, Diretor-xecutivo no FMI foi publicada na Folha de S. Paulo de quinta-feira, 23/08/2007, sob o título Ameaças ao crescimento?

Mediocridade, mais uma criação da mídia?

Por Mylton Severiano.

No fim do ano passado, em visita à França, vi num canal de televisão um debate sobre os rumos da esquerda, da democracia, do socialismo. Falaram homens e mulheres de tudo quanto é tendência. Durou mais de duas horas. O programa vem à memória quando finalizamos, na redação de Caros Amigos, a reportagem principal de nosso próximo número, de setembro. Usamos como gancho o movimento “Cansei” e estendemos o alcance de nossa lente a várias esferas, política, esporte, humor, publicidade, música, judiciário, meios de comunicação – estes, que agora me trazem à lembrança o programa de alto nível da tevê francesa, porque jamais veríamos algo parecido por aqui.

Estaríamos atravessando uma nuvem de mediocridade em várias áreas? Um de nossos entrevistados, o jurista Dalmo Dallari, acha que, no caso do judiciário, o que existe é “um excesso de escândalo sobre coisas que não são novas”, por exemplo a lentidão da justiça, que o próprio judiciário “hoje está atacando”. Para Dallari, portanto, sinal de mediocridade é um fato só merecer notícia se “virar escândalo”.

Um dos entrevistados que me couberam, o colega Paulo Henrique Amorim, classifica o “Cansei” de “um movimento da extrema direita, que cansou de perder eleição”. Diz que o Brasil que “ficou medíocre” é o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e do “grupo de intelectuais paulistas” que o cerca – “eles iam iluminar o Brasil com sua inteligência superior”, mas o projeto “foi pro saco porque não era um projeto”.

A ensaísta e teatróloga Heloneida Studart, deputada fluminense pelo PT, não perdoa nem suas cores, “vivemos uma mediocridade de políticos de alguns partidos, inclusive do meu, que ainda não compreenderam que a política é o grande movimento pelo bem público, não pelos interesses pessoais”.

Entrevistamos representantes da política, do jornalismo, da publicidade, da justiça, das ciências sociais, do cinema, dos quadrinhos; e um jovem do hip-hop de Brasília – que, enquanto nos falava ao celular rodando de carro pela periferia da capital federal, foi parado e revistado duas vezes pela polícia (em matéria de pegar no pé de pobres e negros a polícia não é nada medíocre). A sensação de mediocridade é geral, mas a vários entrevistados não escapa que existe um Brasil grandioso, aonde a mídia não vai, porém, por isso ninguém vê. É o caso do Nordeste, cuja economia cresce ao ritmo de 10% ao ano – “cresce a taxa chinesa”, diz Paulo Henrique Amorim.

Outro colega, Ricardo Kotscho, que trabalhou no governo no início da gestão Lula, ressalta: “A vida da maioria das pessoas está melhorando, todos os indicadores mostram, não é porque trabalhei no governo, é só pegar salário, emprego, inflação controlada, juros caindo, exportações, balança comercial, consumo de alimentos, cimento. Enquanto isso, você pega os jornais e parece o apocalipse.”

A princípio, salta das inúmeras entrevistas que coletamos a constatação, mais uma vez, de que a mediocridade é um fenômeno “de mídia”, por sua vez nivelada “por baixo”. Recentemente, por exemplo, meu televisor quebrou e deixei pra lá. Fiquei quase um ano sem ver televisão regularmente. Não fez grande falta. É como diria Oswald de Andrade: a ausência desse jornalismo praticado hoje em dia preenche uma lacuna. Mas aguarde o número de setembro de Caros Amigos. Há grandes e saborosas revelações na reportagem principal.

Esta matéria do jornalista Mylton Severiano foi publicada em 23/08/2007 na 303ª edição do Fórum Caros Amigos.

O Manifesto