quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Achegue-se, caro Battisti!

Junte-se aos nossos. Desfrute a justa generosidade do nosso país a acolher um bravo sobrevivente da velha luta por liberdade e justiça. Benvenuto! Descansa um pouco, toma um café conosco, e conta da tua longa caminhada de perseguido político em tua terra. E verás que não estás só, que somos muitos. Também éramos “terroristas”. Especialmente da década de 70, quando aqui também era escuro, bastante escuro. E nós, como tu, cantávamos também. Com flores, como armas na mão. É por isso que reconhecemos o teu canto, tua bravura, tua luta. Os tempos eram bem assim, duros.

Nós tínhamos uma ditadura terceiro-mundista a destruir sonhos de liberdade e a derramar sangue patriótico. E tu combatias a praga nazi-fascista. A mesma que recorrentemente teima em retornar à Itália. Como hoje, incorporada a figuras lastimáveis como a de Sílvio Berlusconi. Sossega, pois, caro Battisti! Não serás entregue à vendeta dos filhotes de Mussolini. Estás entre amigos. Entre camaradas.

Vais ouvir destoantes acordes em nossos terreiros. Não te apoquentes. Elas são minorias e vêm de setores que costumam usufruir das benesses sociais e materiais que lhes permitem os estados de exceção. São vozes cujas presenças, nos anos de chumbo, cingiam-se a covardes omissões, ou ao apoio velado às usinas de tortura, aos aparatos de sequestro, aos assassinatos e ao exílio de patriotas. Como tu e como nós. São vozes desavergonhadas da submissão dos colonizados, ungidos pelo rodriguiano “complexo de vira-latas”, incrustados em redações, editorias e colunas da grande mídia e nos medíocres bunkers da oposição.

Vozes que reclamam da independência da nossa política externa, aquela que leva a visão pacífica e respeitosa do povo brasileiro para o mundo, sem preconceitos e sem pretensões hegemônicas. Que reclamam de nossas políticas públicas de interesse popular, as que buscam diminuir a concentração de renda e a miséria que os donos dessas vozes produziram. Para eles, são populistas os governos da América Latina que tentam dar cidadania às camadas historicamente injustiçadas. Preferem permanecer como velhas republiquetas de bananas, submissas ao expansionismo de Washington.

Como a Colômbia, cujo governo assassina sistematicamente lideranças populares, permite a expulsão de milhares de camponeses de suas terras e mantém seu poder a custa de permanente financiamento de Washington e histórico vínculo com o tráfico de drogas. E se abre agora para uma perigosa investida armamentista dos EUA na América do Sul, ao ceder seu território para implantação de sete bases militares de alcance continental. Uma séria investida que tenta recuperar antiga hegemonia na Região.

Portanto, nós ainda não os derrotamos, caro Battisti, eles continuam aí, a batalhar pelo atraso. Não vês que são os mesmos que aplaudiram a tentativa de golpe de estado na Venezuela em 2002 e hoje querem justificar o golpe de estado em Honduras? Em ambos os casos, pela deposição de governos democraticamente ungidos. Perigoso precedente para a Democracia na América Latina. Não vês serem os mesmos que deram força às manobras de Israel para tumultuar a visita do presidente Ahmadinejad, a quem pretendem dar lições de democracia? E, por outro lado, estendem o tapete vermelho a Shimon Peres, perfeito representante do terrorismo de estado, o nazisionismo de Israel?

Esses mesmos lacaios do atraso condenam o Irã por enriquecer urânio para fins pacíficos e por seu regime secularmente fechado. Um país que agora tenta uma abertura para o mundo e busca alternativas diante de injustas sanções comerciais unilaterais comandadas pelos EUA. Por outro lado, aplaudem Israel que mantém um gueto em Gaza, despeja bombas sobre milhares de inocentes palestinos, constrói muros e ocupa arbitrariamente o território que não é seu. Único país do Oriente Médio a possuir arsenal nuclear, Israel não o submete, aos acordos internacionais. Protocolo que é exigido ao Irã para enriquecimento de seu urânio.

Não te avexes, caro Battisti! As vozes amigas são muitas. São vozes das convenções internacionais que repelem a barbárie. Vozes dos novos tempos de resgate e de exercício das nossas tradições de país generoso, coerente com os princípios da Democracia e da Liberdade. Esperamos, no entanto, que não desanimes, e que o ensarilhar de tuas armas não signifique o abandono da luta, mas uma pausa para sua retomada, dentro dos limites do teu justo refúgio.

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

I N V E J A

Não há como se desvincular a imagem de Fernando Henrique Cardoso das de Carlos Menem e Alberto Fujimori. Em primeiro lugar, pela generosa submissão da troika ao Consenso de Washington, esperta sacação do Mercado para disseminar a cultura do Estado mínimo que nos legou o desmonte tanto irresponsável quanto nebuloso de grande parte do patrimônio nacional. Segundo, pelo alinhamento automático dos seus governos à política expansionista dos EUA, prática herdada das respectivas ditaduras militares.

Não é sem razão, portanto, a reação de CANDIDO MENDES – membro da Academia Brasileira de Letras, da Comissão de Justiça e Paz, do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e secretário-geral da Academia da Latinidade, em artigo publicado pela Folha de S Paulo na última quarta-feira, ante um contraditório artigo do ex-presidente brasileiro, multiplicado pelos jornais do país à véspera do dia dos mortos. Queria FHC tentar tirar da indigência nossa medíocre oposição e parte da grande mídia.

Queria. Pois, como depois se viu, o artigo do ex-presidente, “Para onde vamos”, não passou de uma cínica coletânia de velhos chavões da mesma fonte indigente oposicionista dos últimos tempos. Diz Candido Mendes que o indeciso artigo de FHC vai estimular os eleitores nas próximas eleições a mostrar “para onde não voltamos”, principalmente quando o ex-presidente afirma, cinicamente, “que tudo que é bom no atual governo já veio de antes e que o mal de agora apenas começa”.

Uma sábia observação sociológica de que inveja é atributo dos narcisistas cai bem para o “príncipe dos sociólogos”. A invejável evidência do Brasil no conceito planetário fragilizou a estratégia do ex-presidente, cuja fala (contrariando as oposições e grande parte da mídia) abriu espaço a que as eleições de 2010 sejam radicalmente plebiscitárias, como quer o presidente Lula. Em primeiro plano, a privataria versus “a melhoria social do país e a recuperação do poder do Estado”, como observa Candido Mendes.

Teremos, de um lado, a falta de controle da Nação sobre o petróleo (um generoso regime entreguista de concessões). Do outro, a partilha, o modelo norueguês, que amplia a destinação social imediata dos recursos do subsolo. Nos setores onde o governo dos tucanos foi zero, teremos o PAC, milhares de obras a exibir a presença do Estado na mudança da infraestrutura, exigência do nosso desenvolvimento. E o Bolsa Família, uma política de transferência de renda e cidadania, que na visão de Candido Mendes, “colocou a população de uma Colômbia na nossa economia de mercado”.

“A conduta de Lula na determinação visceral de não ceder a um terceiro mandato, avassaladoramente acolhível, se assim quisesse o presidente, por emenda constitucional”, como entende Candido Mendes, expõe a desavergonhada batalha de FHC para que o Congresso Nacional lhe desse, a custa de muita corrupção, um mandato extra. É puro cinismo, portanto, o ex-presidente dizer que "é mais do que tempo dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde". Simbolicamente dito no dia dos mortos.

Candido Mendes percebe ainda que “o embaraço do tucanato em reconhecer o ‘entreguismo’ dos controles públicos durante o seu governo é o mesmo que o alvoroça a comparar o governo Lula ao ‘populismo autoritário peronista”. Populismo, sabemos, é um termo utilizado pelo conservadorismo oligarca contra as políticas públicas de resgate do fosso social que ele próprio secularmente produziu. Populismo real é aquele que essas mesmas elites praticam há séculos para manutenção do poder e da pobreza.

A despeito deles, e de suas falas cheias de ódio e de inveja, o amadurecimento brasileiro, uma nova amplitude e uma nova densidade são o novo patamar que o mundo reconhece em nós de forma crescente. Na semana passada, o presidente Lula recebeu de instituição ligada à família real do Reino Unido, em Londres, importante prêmio por sua contribuição "à estabilidade e à integração na América Latina" e por seu papel na "resolução de crises regionais". Uma significativa (e invejável) premiação ao Brasil.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O muro na cabeça

O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira (Folha de S Paulo desta segunda-feira), quer que “Comemoremos, a queda do Muro de Berlim – ‘o ideal da liberdade se sobrepôs aos ideais da igualdade e da solidariedade’ – mas não nos deixemos enganar pelos radicais, sejam liberais ou socialistas. Estes fizeram revoluções que produziram sofrimentos e não resultaram no socialismo; aqueles se deixaram levar pelo neoliberalismo, promoveram a redução das taxas de crescimento (...) e beneficiaram apenas os 2% mais ricos da população”.

Na mesma Folha, o historiador russo Constantine Pleshakov, radicado nos EUA, diz que “Ao iniciar há 20 anos a derrubada do comunismo, russos e europeus do Leste nada entendiam de livre mercado, que esperavam que funcionasse como um passe de mágica para o consumo. (...) Em poucos anos, essas ilusões desapareceram, porque não é assim que funciona (...) Quando as propriedades estatais foram privatizadas, poucos privilegiados ficaram ricos em meses e o resto da população perdeu participação na riqueza nacional.

Mais pragmático, o historiador britânico Eric Hobsbawm diz que o principal efeito da queda do Muro de Berlim, em 1989, foi a desestabilização da geopolítica mundial em benefício da única superpotência remanescente – os EUA Como consequência, o mundo se tornou mais perigoso, mais inseguro. Já do ponto de vista econômico, Hobsbawm afirma que o pós-1989 levou a um recorde de desigualdade social nos países europeus sob influência da antiga União Soviética. (Folha de S Paulo deste domingo, 08/11).

“‘Muro invísivel’ ainda divide alemães: Para alemães ocidentais fim da barreira representou fardo econômico; Orientais têm saudades do pleno emprego”. Foi como o jornalista Lourival Sant’Anna, enviado especial do Estadão, resumiu a decepção em que se transformou a grande euforia de 20 anos atrás, quando “nada mais seria impossível”. Hoje, são muitos os alemães para quem “a barreira destruída passou a significar uma proteção perdida”. O muro continua vivo no que os alemães chamam de "o Muro na cabeça".

De um lado, os alemães ocidentais a reclamar da maciça transferência de recursos para o lado oriental, em infraestrutura e assistência social, que eles arcam por uma espécie de "imposto solidário”. Por outro lado, pesquisa da revista Der Spiegel mostra que 49% dos alemães orientais concordaram que a antiga "RDA tinha mais lados bons que ruins. Havia alguns problemas, mas a vida era boa.". Para outros 8% "a RDA tinha, na maior parte, coisas boas. A vida lá era mais feliz e melhor que na Alemanha reunificada de hoje".

Outra pesquisa, realizada na ex-RDA, confirma os dados da Der Spiegel: 38% dos alemães orientais consideram-se vencedores da reunificação; 23%, perdedores; e 30% dizem que ela lhes trouxe perdas e ganhos. Ainda segundo Sant’Anna, “jovens alemães orientais desempregados sonham com o ‘pleno emprego’ desfrutado por seus pais. (...) Muitas mães invejam a liberdade que suas mães tiveram de deixar os filhos na creche ou escola e trabalhar o dia inteiro”. Para Anja Weinhold, 33 anos, desempregada, “só não trabalhava quem não queria".

Resumo da ópera: a queda do muro de Berlim, há justos 20 anos, colocou mais uma vez a roda da história da humanidade em movimento. História que opõe um modelo de consumismo, competitividade fratricida e indiferença coletiva aos os velhos sonhos de solidariedade, de emancipação, de democracia. História que mostra que o homem do século XXI (no dizer do experiente jornalista Jânio de Freitas, da Folha) “não desaprendeu a construir muros para separação da humanidade e não aprendeu a demoli-los”.

O Manifesto