quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Como alterar a vontade do eleitor

Em junho do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça quatro executivos e duas secretárias da construtora Camargo Corrêa, quatro doleiros e um empresário pela suposta prática de crimes financeiros investigados durante a Operação Castelo de Areia da Polícia Federal. Uma movimentação ilegal de cerca de US$ 16 milhões nos últimos anos.

A operação investiga crimes de superfaturamento de obras públicas e doações ilegais a partidos políticos e candidatos, além de ligações entre os denunciados e membros da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Segundo o Ministério Público os documentos apreendidos já comprovam a ocorrência dos crimes financeiros, mas é possível aprofundar as apurações quanto aos outros delitos, com repercussão na Justiça Eleitoral.

Há cerca de um ano, o senador Pedro Simon questionava da tribuna do senado sobre a milionária participação das empreiteiras no sistema de poder no Brasil: “Por que uma empreiteira vai dar dinheiro para todo mundo? Por amor?” Simon tinha razão. Denúncias posteriores, também feitas pelo MPF, acusaram as principais construtoras do país de formar conluio para fraudar processos de licitação do metrô de Salvador.

Em 23 de maio de 2007, Simon declarou ao jornal gaúcho Zero Hora: “as empreiteiras controlam o Orçamento da União, apresentando projetos diretamente nos ministérios e através de emendas individuais dos parlamentares”. E “Isso acontece desde o governo Collor, quando a CPI do PC Farias e a dos Anões do Orçamento revelaram a corrupção praticada pelas empreiteiras. Tentei criar uma CPI para investigar os corruptores, mas o governo Fernando Henrique impediu”. A blindagem tucana afastava assim o “perigo” instalado em sua base de apoio e contrariava desejos da OAB e de partidos de oposição à época.

Há nomes graúdos, tanto da oposição quanto da situação, entre os envolvidos na Operação Castelo de Areia. Não estão ausentes figuras exponenciais, festejados “combatentes da ética”, como o senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, e membros do alto tucanato paulista, como o vice-governador, Alberto Goldman. Lamentavelmente, algumas operações com base em denúncias do MPF vêm sendo abafadas por ingerência institucional, com destaque para as ações do STF.

Segundo o Estado de S. Paulo, desta segunda-feira, 22/2/2010, cinco empreiteiras receberam R$ 243 milhões da prefeitura de São Paulo, “depois de doarem, juntas, R$ 6,8 milhões à campanha de reeleição do prefeito (Gilberto Kassab)”. E “o valor dos contratos pode ser superior, já que nem todos foram ainda 100% executados”. A Camargo Corrêa, OAS, Christiani Nielsen, Engeform e S/A Paulista, conforme o site De Olho nas Contas, da própria Prefeitura, obtiveram contratos com secretarias da administração municipal que superam o valor doado em mais de três mil porcento.

Entre as doações consideradas ilegais pela Justiça Eleitoral, a Camargo Corrêa é a campeã, de uma relação onde consta ainda o Banco Itaú e a Associação Imobiliária Brasileira (AIB). Elas totalizam R$ 10 milhões de um total de R$ 29,8 milhões arrecadados para a campanha de reeleição de Kassab em 2008. Para a Justiça Eleitoral, o fato configura “abuso do poder econômico” que “altera a vontade do eleitor”.

Hoje se sabe que o juiz que “aprovou” as contas de Kassab, condenou, ao mesmo tempo, a forma como foi feita a arrecadação de recursos e que agora é alvo de decisão que determina a cassação do mandato do prefeito na capital paulista. Ambas decisões têm em comum o fato de que a forma “dificulta sobremaneira o verdadeiro instituto da prestação de contas no processo eleitoral” e expõe “íntima e perigosa relação negocial existente entre empresas privadas e o poder público”.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Jornal do Commercio recria a Setembrizada em pleno Carnaval

Há 178 anos o Recife viveu a histórica Setembrizada, “arrastão” promovido, segundo Semira Adler Vainsencher, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, “por soldados insubordinados, que arrombam, saqueiam e cometem inúmeras atrocidades em casas particulares e estabelecimentos comerciais”. Diz Samira que “As lutas duram três dias (14, 15 e 16 de setembro de 1831), deixam um grande número de mortos, mas os indisciplinados são vencidos. (...) correu muito sangue, e os soldados não faziam a menor cerimônia em matar e roubar”.

Nesta segunda-feira, “Vândalos promovem arrastão na Boa Vista”. Manchete com que o JC criou uma fantasia de Setembrizada em pleno Carnaval: “Gritos, correria e garrafas quebradas. (...) foliões que voltavam para casa após o show do Cordel do Fogo Encantado, no Marco Zero, foram acuados por vândalos que promoviam um arrastão”. “Arrastão” que não houve, a deduzir do confuso texto do JC Online, reproduzido na edição impressa desta terça-feira. (*)

As fontes que o jornal apresenta traduzem o pouco zelo com o leitor. Um motorista de táxi a declarar “Eu estava dormindo. Só vi o pessoal gritando”; um estudante de física que ouviu “gritos e correrias”; um estudante de medicina que preferiu correr, mesmo sabendo que “podia ser apenas uma brincadeira”; e, finalmente, uma fonte segura na capenga apuração do JC: “a Polícia Civil não registrou nenhuma queixa de arrastão na Conde da Boa Vista”. Pergunta-se: cadê o “arrastão”, que mereceu manchete em capa de jornal?

Quem de nós desconhece a presença desses excessos de um ou outro folião embriagado, desde os velhos carnavais, quatro da matina, a quebrar sua garrafa já vazia, culpada por não haver mais um bar aberto? Quem nunca se assustou com os gritos ou correrias que esses fatos podem originar? É muito pouco para um investimento jornalístico. Melhor considerar uma fantasia do jornal com modelo em fantasmas do passado. Ou falta de assunto do jornalista e preguiça dos editores?

Se não for isso, essa fantasia midiática pode sugerir, o que é muito grave, uma tentativa de desconstruir ou macular a bela imagem da nossa expressão multicultural e do exemplo ordeiro de participação popular que o Recife tem oferecido ao mundo.

(*) http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/02/16/not_366409.php

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Você está preparado para a chegada do colapso econômico e da nova Grande Depressão?

“Já é matematicamente impossível liquidar a dívida nacional dos EUA”. Quem argumenta é o site The Economic Collapse*, especializado em economia: “Se o governo dos EUA tomasse todos os dólares, centavo a centavo, de todos os bancos, negócios e contribuintes, ainda assim não seria capaz de liquidar a dívida nacional. E se assim fizesse, obviamente a sociedade estadunidense cessaria de funcionar porque ninguém teria mais dinheiro para comprar ou vender fosse o que fosse”.

O site também revela que não é o governo dos EUA quem emite a divisa (quem imprime seu dinheiro), “quem o faz é o Federal Reserve”. E explica que o Federal Reserve é um banco privado, portanto com o objetivo de lucro, instituído e operado por um grupo muito poderoso da elite dos banqueiros internacionais (“homens brancos de olhos azuis”, diríamos em boa alegoria). Basta darmos uma olhadela numa nota de dólar para vermos que se trata de uma “Federal Reserve Note”, pertence, portanto, aos donos do Federal Reserve.

Mais: se os EUA precisarem tomar mais dinheiro emprestado pedem ao Federal Reserve que imprimam mais pedaços de papel verde, chamados “US dollars”, a serem trocados por papéis de cor rosa, chamados de “Títulos do Tesouro dos EUA”, que aumentam o capital dos banqueiros. Assim, o governo coloca mais dólares em circulação ao tempo em que amplia sua dívida e os respectivos juros. E a dívida nacional já atinge hoje os US$ 12 trilhões, diante de um “patrimônio” – todo o dinheiro existente nos Estados Unidos – de US$ 14 trilhões.

Grande parte é dinheiro fantasma: O “patrimônio” leva em consideração o total de notas fiscais, o dinheiro dos cofres dos bancos e seus depósitos nos bancos de reserva, ordens bancárias, travelers checks, outras contas de poupança, contas do mercado monetário, dos fundos mútuos, depósitos a prazo de pequenos valores, e outros. “Dinheiro” que “nem sempre existe”, segundo os economistas do The Economic Collapse, culpa de uma tal “reserva fracionária da banca”. Ou seja, os bancos “multiplicam” as quantias neles depositadas e o dinheiro assim “multiplicado” é apenas papel. Não existe.

Assim, se todo o dinheiro possuído por todos os bancos, pelos negócios e pelos indivíduos dos Estados Unidos fosse totalmente reunido e enviado ao governo, não seria suficiente para liquidar sua dívida nacional. O único meio de fazer mais dinheiro é fazer ainda mais dívida, o que torna o problema ainda pior. É que, segundo a análise do The Economic Collapse, “todo o Sistema Federal de Reserva foi concebido para (...) vagarosamente drenar a riqueza maciça do povo e transferi-la para a elite dos banqueiros internacionais”.

E nós, brasileiros, que temos a ver com isso? Primeiro: uma recessão nos EUA arrasta outros países, como o nosso, que depende em grande parte do poder de compra e das boas condições de venda, enfim, da saúde da economia daquele país. Segundo: há uma tendência política muito forte das nossas instituições de se espelhar nos modelos institucionais dos EUA. Quem não sabe que querem nosso Banco Central independente do governo e dependente do “mercado”, portanto atrelado aos interesses dos grandes banqueiros internacionais.

Para The Economic Collapse, nada mais atual que a profecia de Thomas Jefferson, um dos fundadores da nação estadunidense: "Se o povo alguma vez permitir aos bancos privados que controlem a emissão do seu dinheiro, primeiro pela inflação e depois pela deflação, os bancos e corporações que crescerão em tornos deles (dos bancos) privarão o povo da sua propriedade até que os seus filhos acordem sem lar...”. Um retrato da atual crise.

Não é sem razão que o Brasil tem diversificado suas relações mundo afora, contrariando nossos para sempre colonizados oposicionistas. Não é sem razão que nossa pátria desponta com diretores de fundos internacionais preferindo “títulos do Brasil e moeda da China”, pela "expectativa de que vão sobrepujar as economias desenvolvidas em riqueza” e pela postura de "falcão" do Banco Central. Tampouco falta razão à London School of Economics em saudar a criação do G20, porque países como China, Índia e Brasil "agora formam uma parte imensamente importante da economia global".

(*) Artigo original está em: theeconomiccollapseblog.com

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

As vivandeiras do ditador

"Não queremos sangrar feridas antigas. Queremos
que cicatrizem. E só feridas bem lavadas cicatrizam".
Michele Bachelet

FHC costuma pedir que esqueçamos o que ele escreveu. É, no entanto, o que ele escreveu que lhe garante ainda algum prestígio em certas rodas internacionais desatualizadas. Agora, ele pede que esqueçamos que foi no seu governo que se concretizou a responsabilização do estado brasileiro pelos crimes de lesa humanidade praticados pela ditadura. E passa a criticar o Programa Nacional de Direitos Humanos. Para Elio Gaspari¹, trata-se de uma maliciosa expectativa, uma “sedução tucana pelo flerte com a figura abstrata dos militares aborrecidos com a idéia”.

A vivandagem tucana é assinalada por Gaspari na frase dita pelo ex-presidente em recente entrevista ao repórter Gary Duffy: “"Este não é um assunto político no Brasil, mas uma questão de direitos humanos, o que para mim é importante, mas o perigo é transformar isso em um assunto político". Apimentando mais o caldo, FHC afirmou ainda que a iniciativa de investigar os crimes do Estado são um fator de "intranquilidade entre as Forças Armadas".

A vivandagem, conforme identificou o primeiro ditador, Marechal Castelo Branco, remonta aos idos de 30, “vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar". Eram os políticos que iam aos quartéis conchavar com os milicos. O estilo Carlos Lacerda, agora revivido pelo tucanato.

Na contramão da sedução tucana pelo oportunismo golpista e encarando o mérito da questão, manifesta-se o ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos, professor Paulo Sérgio Pinheiro², que no governo FHC formulou o segundo Plano Nacional de Direitos Humanos. Ele assinala que nem os atuais militares da ativa na Grécia, na Espanha, em Portugal, na Argentina, no Chile, no Uruguai se solidarizaram com seus antecessores que perpetraram torturas e crimes contra a humanidade. E que nem por isso os exércitos desses países deixaram de se fortalecer na democracia que sucedeu suas ditaduras.

Por isso, o professor considera constrangedor o recuo do governo em retirar da Comissão da Verdade a expressão “repressão política”. Afinal, desde 1995 “ficou patente a responsabilidade incontestável do Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos perpetrados pela ditadura militar”, como reconheceu a lei 9.140/95, a lei dos desaparecidos”. Para Pinheiro, "examinar as violações de direitos humanos", da nova formulação, não é o mesmo que "esclarecimento público das violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política". “Retrocede em relação ao reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos crimes da ditadura” diz o professor.

Paulo Sérgio Pinheiro lembra ainda que não há do “outro lado” vítimas de crimes de lesa humanidade e que os militantes da resistência contra a ditadura figuram entre os presos, sequestrados, interrogados, torturados. Os que sobreviveram foram processados e julgados por uma legalidade autoritária construídas por atos institucionais e pela legislação da “segurança nacional”. Em 15 anos, 2.828 réus civis foram condenados pela justiça de exceção dos tribunais militares. Com o recuo, diz o professor, “o Brasil continuará na rabeira de todos nossos vizinhos do Cone Sul que reconstituíram a história dos horrores e já se livraram das trevas das ditaduras”.
_____________________________________________________________ (1) http://www.google.com/notebook/?hl=pt-BR#b=BDRTCSgoQoLboveIk
(2) http://www.google.com/notebook/?hl=pt-BR#b=BDQt4SgoQ2cWB7eYk

O Manifesto