segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Incômoda presença

“Acusado de atrair presença militar dos EUA e de tolerar abusos do Exército, líder colombiano (ex-presidente Álvaro Uribe) reunificou o país e garantiu direitos essenciais”. Essa afirmação da Folha de S Paulo, em editorial de 08/08/2010, mostra bem a displicência com que a mídia brasileira trata o problema colombiano. Primeiro, banaliza uma presença militar de sete bases distribuídas pelo país vizinho, com um aparato bélico que pode alcançar qualquer ponto da América Latina. Depois, chama de abusos do Exército, o Exército de Uribe, as ações militares criminosas que levaram aos cemitérios clandestinos mais de 2.000 jovens camponeses, fuzilados sem piedade para serem exibidos como se fossem guerrilheiros. Uma fossa comum jamais vista na história.


Por outro lado, como nossos jornais podem falar em reunificação do país, quando mais de três milhões de camponeses foram expulsos de suas terras pelas organizações paramilitares, com a cumplicidade do governo? Terras que foram redistribuídas no âmbito das forças de apoio ao uribismo, produzindo os “desalojados”, imensos contingentes de famílias que perambulam pelo país, em busca de sobrevivência. Como falar em garantia dos diretos essenciais diante do cotidiano assassinato de lideranças sindicais no campo e nas cidades? E o que dizer da ampliação do narcotráfico durante o governo Uribe, que levou os EUA a restringir o aporte de dólares para o suposto combate a esse tipo de crime?


A Folha de S Paulo, historicamente submissa aos interesses do expansionismo de Washington, “justifica” aliança da Colômbia com EUA como “também fruto da desarticulação e do desinteresse de governos da região em apoiar o combate à guerrilha”. Como se uma luta de mais de 40 anos entre governo colombiano e guerrilha, também colombiana, devessem ser objeto de apoio externo a um dos lados do conflito, sem que as forças litigantes fizessem qualquer movimento de agressão fora do seu país. A conta fácil da Folha é movida pelo caráter subserviente da imprensa ocidental, pronta a apoiar qualquer ação militar do Império para ocupar mais espaço estratégico na geopolítica internacional. A “justificativa”? A busca de improváveis armas de destruição em massa ou de urânio enriquecido. Ou o combate ao “terrorismo”.


Dez anos do Plano Colômbia, que consumiu mais de 7 bilhões de dólares dos EUA, não foram suficientes para tirar do país o título de maior produtor mundial de cocaína. Uma tese da oposição credita a falta de avanço ao próprio enredamento do presidente Uribe com o narcotráfico. Há pouco, cerca de 60 parlamentares da sua base de apoio sofreram processos e prisões, não escapando nem mesmo um senador primo do próprio presidente. É conhecida dos colombianos a fraternal relação do pai de Álvaro Uribe com o antigo chefão da cocaína, Pablo Escobar, do famoso cartel de Medellín. Tomás Uribe, filho de Álvaro, também está sendo investigado por tráfico de influência.


Ao querer transformar as guerrilhas colombianas em “narcoguerrilhas”, com a ajuda da mídia mal informada ou conivente, Uribe nada mais faz do que tentar esconder que a Presidência, diante do tipo de apoio que lhe sustenta, é uma narcopresidência. E o Congresso Nacional, um espaço propício à movimentação de narcosenadores e narcodeputados, base do uribismo. A imprensa ocidental não costuma fazer uma análise real do problema colombiano. Não sabe dizer porque o governo Bush não conseguiu levar a Colômbia para a Alça, nem porque a Comunidade Européia não quis dar o microfone ao presidente Uribe. O assassinato sistemático de sindicalistas já seria uma boa resposta.


Neste mês de agosto, o informe do Comitê de Direitos Humanos da ONU questionou o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe pela impunidade dos seus paramilitares e de não investigar as execuções extrajudiciais, torturas e desaparecimentos ocorridos em sua gestão. É um documento de nove páginas que recomenda à Colômbia que "cumpra com as obrigações contidas no pacto da ONU e de outros institutos internacionais, como o Estatuto de Roma e a Corte Penal Internacional, e comece a investigar e punir as graves violações de direitos humanos”.


Governos da América Latina, principalmente os vizinhos da Colômbia, como o Brasil, já começam a se incomodar com revelações de ONGs sediadas nos Estados Unidos. “Fellowship of Reconciliation” e “Coalición Colombia No Bases” demonstram uma coincidente relação entre o começo das atividades militares estadunidenses com intensas violações dos direitos humanos, como as execuções dos chamados “falsos positivos”, corpos de camponeses mostrados como se fossem de guerrilheiros. Revelações que incomodam governos e não parece incomodar a imprensa.

O Manifesto