quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Janio de Freitas três vezes (1)

"As vozes

No momento, não se sabe o que a voz silenciosa da opinião pública pede aos seus magistrados mais altos

É INCERTO que os julgadores do mensalão ouçam a opinião pública, como lhes recomenda Fernando Henrique Cardoso. Com tantas pressões dirigidas aos leitores, espectadores e ouvintes, em linha direta e como reflexo das pressões sobre o Supremo Tribunal Federal, no momento não se sabe o que a voz silenciosa da opinião pública pede aos seus magistrados mais altos. Mas tal incerteza está acompanhada de ao menos duas certezas. 

O rendado de palavras que enfeita, em torno, a recomendação de Fernando Henrique evidencia que a opinião pública referida é a opinião do público peessedebista. 

A recomendação é um apelo velado no sentido de que o Supremo Tribunal Federal não negue o seu socorro ao catatônico PSDB, nesta hora difícil dos confrontos eleitorais. Tudo por um punhado de condenações de petistas. 

Outra certeza é o que diz a voz verdadeira da opinião pública. A voz quando não desafinada pelas pressões, a respeito do que deseja dos seus magistrados, ou, como prefere, da Justiça. 

É a imparcialidade nos julgamentos todos. É a equanimidade entre as decisões voltadas para os desprovidos e aquelas que se dirigem aos possuidores de riqueza ou de força política. É o direito à justiça também quanto ao tempo, porque, mesmo se favorável, a decisão que tarda dez, 20, 30 anos nunca fará justiça. 

É o julgamento limpo do mensalão, para condenar sem maldade ou absolver com grandeza"

(Janio de Freitas, Folha de S Paulo, hoje)

Janio de Freitas três vezes (2)

"HISTÓRIA DE CRIMES

O aumento da lista oficial de mortos pela ditadura, de 357 para quase 1.000, traz para a história uma parte dos corpos que ficaram caídos nos canaviais, ou junto das usinas, muitos nas sedes dos sindicatos rurais e das Ligas Camponesas, tantos mais diante dos olhos da mulher e dos filhos. As primeiras semanas seguintes ao golpe de 64, no interior do Nordeste, sobretudo de Pernambuco e Paraíba, justificam esta palavra horrível: carnificina. 

A revelação do novo levantamento, feita pelo repórter Lucas Ferraz na Folha, é um passo promissor para que sejam expostos os crimes de inúmeros usineiros, capatazes e jagunços. Por anos e anos, o usineiro Ney Maranhão veio a manchar o chão do Senado com os vestígios de sangue em suas sandálias, mesmo quando apenas memoriais. E Nilo Coelho, e outros ainda por lá ou por Brasília, todos protegidos pelo silêncio. 

Essa história começou a ser contada, lá atrás, pelo documentarista Eduardo Coutinho, talento e alma admiráveis. A hora da Comissão da Verdade é boa para retomá-la"

(Janio de Freitas, Folha de S Paulo, hoje)

Janio de Freitas três vezes (3)

"UMA PESSOA
 
O advogado Márcio Thomaz Bastos que abandona a causa de Carlos Cachoeira é a mesma pessoa ética que assumiu a causa e a mesma anterior a assumi-la.

O intervalo ético que fica em sua vida não é por ter sido breve advogado de Cachoeira, mas pela falta de ética que o agrediu então. No fundo, um imenso louvor sob a forma de agressão boçal, só produzida pelo respeito admirador enganadamente ferido.

Convém não esquecer também: se vemos, de 2003 para cá, incessantes ações da Polícia Federal contra poderosos e prestigiados envoltos em corrupção, deve-se a Márcio Thomaz Bastos. Quando ministro da Justiça, enfim acabou com a discriminação praticada pela Polícia Federal como norma."

 (Janio de Freitas, Folha de S Paulo, hoje)

terça-feira, 31 de julho de 2012

Como Janio de Freitas vê a imprensa golpista


"Janio de Freitas
O JULGAMENTO NA IMPRENSA

Se há contra os réus indução de animosidade, a resposta prevista só pode ser a expectativa de condenações

O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal é desnecessário. Entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o mensalão, contém uma evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis a que devem servir os seus saberes.

Os trabalhos jornalísticos com esforço de equilíbrio estão em minoria quase comovente.

Na hipótese mais complacente com a imprensa, aí considerados também o rádio e a TV, o sentido e a massa de reportagens e comentários resulta em pressão forte, com duas direções.

Uma, sobre o Supremo. Sobre a liberdade dos magistrados de exercerem sua concepção de justiça, sem influências, inconscientes mesmo, de fatores externos ao julgamento, qualquer que seja.

Essa é a condição que os regimes autoritários negam aos magistrados e a democracia lhes oferece.

Dicotomia que permite pesar e medir o quanto há de apego à democracia em determinados modos de tratar o julgamento do mensalão, seus réus e até o papel da defesa.

O outro rumo da pressão é, claro, a opinião pública que se forma sob as influências do que lhe ofereçam os meios de comunicação.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A flecha lançada

 
Imagem Sérgio Lima Folhapress
Uma análise do chamado mensalão deve começar pelo pressuposto de que setores do bloco governista, logo após o processo eleitoral de 2002, usaram um mau hábito da baixa política eleitoral, o famigerado caixa 2, instrumento muito popular entre empresários do mundo inteiro, para burlar informações fiscais. E há muito tempo vem sendo utilizado na seara contábil política. Para produção desse instrumento nada republicano, o grupo do “mensalão” usou tanto empréstimos bancários normais quanto sobras de campanha, algumas de origem legal, outras de fontes suspeitas e muitas resultantes de manobras financeiras supostamente ilegais. O objetivo dos partidos envolvidos era o de quitar pendências da última eleição. O julgamento do Supremo Tribunal Federal em breve apontará o que foi certo e o que foi errado.

Para se avaliar a extensão desse tipo de fraude no Brasil, teria sido conveniente que os atores oposicionistas, amparados pelos holofotes midiáticos, não tivessem limitado suas análises apenas ao campo dos partidos da base aliada. É também lamentável que as críticas se tenham direcionado apenas ao período da campanha de reeleição do presidente Lula. Ambos os fatos caracterizam manipulação em benefícios de interesses da grande imprensa e da oposição, incompatíveis com a continuidade de um governo comprometido com as causas populares. Por isso mesmo seria preciso atingir a figura de Lula e inviabilizar a renovação do mandato petista.  Felizmente, para o presidente, os adversários produziram muita pirotecnia e pouca consistência acusatória. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um porteiro na redação da Veja

Sidnei Liberal
 (*)
O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você, livro de Eli Pariser, da Jorge Zahar (2012), mostra, com propriedade, como se dá a manipulação dos interesses do usuário na internet. Facebook, Amazon e Google são os sites que, pelos interesses que cada usuário expõe na web, sejam seus dados pessoais seja o tipo de busca ou postagem que costuma realizar, passam a lhe ofertar produtos relacionados tão somente a essa faixa de interesse. É justamente este o filtro invisível que cerceia o acesso a outras áreas do conhecimento que não estejam circunscrita ao perfil do usuário. Os dados coletados por esse monitoramento compulsório, cada vez mais sofisticado, não explicitado em contrato, são repassados por venda a empresas das mais diferentes áreas, sem conhecimento ou prévia permissão do usuário.

E onde mora o perigo? Primeiro, na enxurrada de propaganda que você passa a receber, cada uma com maior nível de dificuldade para dela se desvencilhar. Depois, pelo dirigismo, o tal filtro de que fala Pariser, que limita o universo da pesquisa do usuário. Ainda mais preocupante quando o produto que se oferece ao usuário tem o viés ideológico, político, econômico, cultural. E até mesmo os de natureza profissional. Neste caso, como a oferta é selecionada por tudo aquilo que o usuário costuma externar na web, dentro do seu perfil ideológico, o infeliz deixa de ter acesso a formas diferentes de ver o mundo. Deixa de encarar outros sonhos e projetos de vida e de relacionamento com a sociedade, ou com o mundo que o cerca. Assim, sua alma é entregue ao diabo, encarnado em Google, Facebook, Apple e Microsoft, donos do negócio de alta lucratividade. 

A teoria do gatekeeping, o “porteiro” das redações, é velha conhecida do jornalismo estadunidense desde a década de 1940. Surgiu a partir de uma metáfora feita pelo psicólogo alemão Kurt Lewin, exilado nos EUA nos tempos do nazismo europeu, acerca da escolha entre o que deve ser ou não considerado como notícia. O que se deve incluir nos jornais ou rádios, principais meios de comunicação da época, de acordo com o valor-notícia, linha editorial, entre outros critérios. Em tempos de mídia eletrônica, a escolha passa daquilo que deve ir para o jornal para aquilo que os outros, em milhões de web receptores no mundo, devem botar na sua cachola. A nova tecnologia veio para redefinir regras do setor sem, no entanto, alterar princípios e finalidades do jornalismo, cuja regra elementar é a do velho porteiro de Lewin.  Dessa forma, ele continua a ditar a função que as notícias funcionam na vida das pessoas. 

A perfeita compreensão desta ferramenta facilita entender como se forjam as mentes em leituras continuadas da Veja, aqui citada como representante mais típico da nossa mídia. A estrutura ideológica progressista que lhe deu credibilidade no passado, aos poucos foi sendo substituída pelo padrão conservador e elitista de hoje. Sempre alinhado aos interesses econômicos das grandes corporações e ao establishment capitalista mundial, a tal “comunidade internacional”. Foi com essa ideologia que o próprio gatekeepping da Veja, seu porteiro de redação, seu filtro invisível, construiu o cardápio que há muito vem oferecendo à degustação do seu leitor médio. Este, de tão acostumado com sua linha editorial, somente lê cada matéria até o ponto em que identifica o mocinho e o bandido que sempre espera da sua revista. Os leitores, digamos, mais aprofundados ainda arriscam uma carta do leitor comentando o que foi lido, sempre acriticamente, na única intenção de ajudar a espinafrar o bandido e a louvar o mocinho. O fato, como suas razões e circunstâncias, é mero detalhe. 

(*) A imagem é de uma charge que tem circulado na internet. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

O SANGUE DOS MÁRTIRES


É mais que emblemática a charge de Miguel nas páginas de opinião do Jornal do Commercio, do Recife, neste domingo. O senador Humberto Costa travestido de robô, o sangue a lhe escorrer pela mão estendida para Eduardo Campos, um governador visivelmente constrangido. O sangue, para quem viveu os últimos meses e principalmente a última semana em Recife, não terá nenhuma dúvida: é do novo mártir midiático, o prefeito João da Costa. A charge equivale ao comportamento editorial do próprio jornal no processo que resultou na imposição pelo Diretório Nacional do PT da candidatura do senador a prefeito. Uma ação imediata do diretório que interrompeu uma arrastada desinteligência que vinha corroendo a estrutura partidária recifense. A versão do fato, manipulada cotidianamente pela mídia local, foi apresentada ao grande público como uma interferência indevida da direção nacional. 

Antes da intervenção, a expectativa dos jornais, como da fraca oposição à Frete Popular, era a de que, continuando a sangrar, o Partido dos Trabalhadores, que “reina” absoluto no Recife há quase 12 anos, finalmente seria apeado do poder e a prefeitura finalmente devolvida à velha oligarquia pernambucana. Face à situação de quase indigência da oposição local, a mídia nesta semana volta seu interesse para a possibilidade de esgarçadura da Frente Popular: “joguem suas fichas numa candidatura do PSB”, dizem seus “analistas”. Vem daí a nova palavra de ordem a tentar estimular Eduardo, presidente nacional do PSB: “o PT já esgotou seu prazo, é hora de o governador intervir no processo”, “não está descartada uma candidatura do PSB”. Nossa imprensa a trazer de volta o vezo golpista, udenista, de velhos carnavais.

A interferência editorial dos jornais locais, em especial o Jornal do Commercio, utiliza eficientes instrumentos de convencimento do seu público. Entre eles, a repetição em destaque de palavras de ordem de seguidores do prefeito, e de surradas lideranças da oposição, transformando em vítima, quase herói, o prefeito recusado pelo seu diretório. A linha editorial, as colunas, os “especialistas” a destilar o veneno e a cizânia. Fotografias de Humberto ganham ares de vampiro; as de João da Costa, de herói. Dezenas se seguidores do prefeito, no enquadramento fotográfico fechado, ganham contornos de grande massa manifestante. Domingo, finalmente, a imagem mais fiel do comportamento midiático: a mão ensanguentada do robô, do sangue do mártir, e a cara de nojo do governador. 

A postura golpista da imprensa pernambucana não difere do comportamento dos grandes jornais brasileiros. Folha, Estadão, O Globo, articuladamente, a esfregar as mãos, por verem atendidas suas pressões sobre o STF para apressar o julgamento do chamado mensalão. A pauta do Supremo caindo coincidentemente em hora de se fazer proselitismo político ante um processo eleitoral de amplitude nacional e de fazer sombra a uma CPMI mista que tem tudo para deixar mal na foto o tucanato paulista de alta plumagem. Em São Paulo a mídia também aposta em outra cizânia e também esquenta as mãos para evitar o crescimento da candidatura petista. Marta Suplicy é transformada, da noite para o dia, como João da Costa no Recife, em heroína do neo-udenismo midiático, na vã esperança de que ela rompa politicamente com o ex-presidente Lula e prejudique a candidatura de Jamil Haddad à prefeitura paulistana. Sem que a mídia precise sujar de sangue as mãos do candidato.

domingo, 8 de abril de 2012

Um erro gravísssimo

O Diário de Pernambuco, o Estado de Minas e o Correio Braziliense pertencem ao grupo dos Diários Associados que já foi o maior conglomerado de comunicação no Brasil sob a direção de Assis Chateaubriand.

Hoje apequenados, vez por outra tratam das informações internacionais sempre sintonizadas ao alinhamento ideológico automático com os interesses de Washington. Prática corrente de governos udenistas/tucanos da nossa história não muito passada.

Sinais daquilo que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de viralatas”, quando do pessimismo de brasileiros na véspera do Brasil versus Suécia em 1958. Há muito ciosos de que nada prospera longe do protecionismo predador estadunidense.

Nesta semana, os viralatas elegeram como saco de pancadas o tratamento do câncer de Hugo Chávez, cidadão que muito incomoda, menos por ser um falastrão irreverente e mais por não se dobrar à secular subserviência de muitos.

O incômodo é multiplicado pelo fato de se ver este mandatário optar por seu tratamento em um centro de saúde competente e solidário como é o de Cuba. Mas, logo Cuba?! Por que não Huston ou São Paulo?

A eterna vigilância udenista/tucana inventou que o tratamento do câncer do inimigo seria transferido para São Paulo. Claro que não faltaram as insinuações de que um erro gravíssimo havia sido cometido pela medicina cubana.

Talvez,e há quem duvide e muito, preocupados com a saúde de Chávez, fizeram imediatos contatos com Palácio de Miraflores e o Hospital Sírio-Libanês. Os lugares certos para quem deseja uma boa apuração. Foi oficialmente negada a invencionice.

Não satisfeitos, ligaram para quem? Claro, para a mídia golpista venezuelana e, por essa via, um tal “médico intensivista venezuelano José Rafael Marquina, que garante ter acesso a dados sobre o prontuário de Cháves”. Veja bem: acesso a dados sobre e não ao próprio prontuário.

Com esta zelosa “apuração”, os três jornais associados puderam revelar, ontem, sábado, um “furo” orgástico de aleluia, uma vitória dos viralatas, cuja manchete não poderia ser outra “Um erro gravíssimo”; claro, da medicina cubana.

“A doença de Chávez”, na cabeça e na vontade dos associados, “também estaria causando divisões no seio do governo”. Conclusão digna da indigência do jornalismo associado e tupiniquim.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um jornal para Dines

Há muito de Don Quixote nos caminhares do oitentão Alberto Dines. São muitos os moinhos de vento forjados em reinos alienígenas, trazidos em tempos de trevas pelas forças do mal, nativas, encasteladas onde possam se apoderar e usufruir. A comunicação brasileira é certamente um desses gigantes, “...de braços tão compridos que alguns têm quase duas léguas”, diria o engenhoso fidalgo de La Mancha. São tentáculos multifacetados de mídia em poder de uns poucos apaniguados, de ontem, de hoje, de sempre.

Incansáveis andanças de Dines demonstram perseguir um projeto que vai mais além do seu Observatório da Imprensa. Há pouco, em três aparições públicas, ele pôde manifestar, do seu jeito tímido, inquietações à luz da atual indigência dos nossos grandes jornais. Mais que indigência, se comparado à vibração dos tempos áureos do Jornal do Brasil e da Folha de S. Paulo dos anos 60/70. Jornais comandados, coincidente e respectivamente, por Dines e Abramo. Talvez por isso possa afirmar que “a Folha de S. Paulo foi responsável pela morte de Claudio Abramo, o último dos grandes jornalistas deste país”, como afirmou a ouvidos surdos no Roda Viva da TV Cultura, ela própria sucumbida a interesses pouco claros.

Dines vem dizendo que todos os jornais são iguais, que não produzem mais notícias. Também não precisa, pois ela já vem pronta, de qualquer parte do mundo. Pronta e com o perfil bem comportado das cartilhas elaboradas pelo Departamento de Estado. O modelo? A “civilização ocidental cristã”, a “comunidade internacional”, qualquer instituição que use a OTAN como braço armado, com direito a matanças de civis. Aqui mais perto, as entrelinhas de Dines estão roucas de dizer que nas querelas entre as grandes mídias e os governos populares da Venezuela, Argentina, Equador, Brasil, os donos da comunicação tem se mostrado os personagens menos vestais. Que a “liberdade de imprensa” da nossa mídia está a necessitar de algum controle. E que a censura à imprensa hoje passa pelos donos da comunicação.

Por tudo isso, é fácil reconhecer que a frase sobre Abramo, dita daquela forma, para aquele público, parece querer dizer que foi o próprio jornal quem morreu. E é por isso que Dines se traveste hoje de Don Quixote. Nos alforjes, conforme ele próprio revela, um esboço de jornal, já registrado, com título, formato e tudo mais. Fruto e alternativa à indigência, vez que todos os jornais estão iguais, quase mortos, a vibração ilhada em pequenas colunas de pouca ou nenhuma visibilidade. “Cadê a vibração no corpo da notícia, o debate, a visão plural?” Indagado à sua maneira, um misto de matreirice e ingenuidade, com o cuidado de quem conhece muito bem as sombras à espreita. Precauções que aprendeu em longa militância na juventude sionista socialista.

Sairá do esboço este jornal do Dines, um novo alento com fulcro no seu antigo Jornal dos Jornais, a primeira coluna de crítica à imprensa no Brasil? Quem bancará o debate plural, do quotidiano tupiniquim aos grandes temas da conjuntura internacional; desde a banalização da cultura nacional, pelo lamentável conteúdo da mídia, até a ruína moral da ideologia política na Europa e alhures, uma vez mais bancada pelo poder econômico? Quem ousará mudar o viés da discussão sobre a liberdade de imprensa fora dos padrões impostos pela ANJ, os donos de jornal? Ou do conceito de terrorismo internacional fora do modelo impingido por Washington? Que grupo econômico permitirá o aprofundamento de questões como meio ambiente; ou deixará que se apontem os caminhos da paz desmascarando os fazedores de guerra?

São muitos os moinhos de vento nos caminhos de Dines.

segunda-feira, 26 de março de 2012

A conspiração pernambucana

Sidnei Liberal

“Talvez, na história da imprensa brasileira, nunca os autoproclamados grandes tenham sido tão pequenos em seu desamor à liberdade enquanto patrimônio coletivo, quanto naqueles tempos feios da ditadura que ajudaram a construir, pela conspiração ou pela conivência diante da censura”. A frase é de Flávio Aguiar, professor da USP, no livro Jornalistas e Revolucionários, de Bernardo Kucinski.

Aguiar se refere aos grandes jornais, de cuja associação ideológica e de negócios com o poder lhes rendeu o domínio da informação, apoderação e controle da comunicação de massa até os dias de hoje. “A razão essencial desse fenômeno – a formação de oligopólios também na imprensa – vem do caráter de grande empresa assumido pelos grandes jornais”, diz Nelson Werneck Sodré no livro História da Imprensa no Brasil. O tema também é abordado no livro Mídia – Teoria e Política, do pesquisador Venício Lima, que esclarece como se pôde alcançar tamanha poupança patrimonial e poder político. Lima vem secundar a luta pela democratização da mídia, que vem sendo empreendida por sindicatos, comunidades de base, movimentos de bairros e outras instituições do movimento social. Nos jornalões, a informação omitida, distorcida ou intencionalmente criada ampliou em muitas vezes o esforço que a sociedade começa a praticar com a instituição da Comissão da Verdade.

A ação dos movimentos sociais pela verdade era limitada no passado pela pressão da ditadura, interessada e partícipe ativa, por seus censores, da fraude midiática. No entanto, contra as celebridades encasteladas nas direções e editorias dos grandes jornais, a resistência contava com numerosas personalidades de notável saber moral e intelectual, ativos participantes em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Ao seu lado, muitos profissionais da imprensa que, mesmo submetidos ao comando de poderosos donos de jornal e às limitações da atuação clandestina, conseguiam construir uma cidadela da verdade. Informações valiosas, às vezes revestidas do formato jocoso, metafórico, a enganar os censores da ditadura. O tema é relatado no livro Vozes da Democracia – História da Comunicação na redemocratização do Brasil, publicado por Intervozes.

Faz escuro, mas eu canto. Manifestações do jornalismo alternativo articulavam-se, de modo quase espontâneo, natural, com as atividades de amplos setores das artes cênicas, literárias, da música. Todos vigiados pelos agentes do regime infiltrados no movimento. Tudo rotulado de “cultura marginal”, jornais alternativos chamados de “nanicos”. Uma tentativa de depreciar tanto as peças teatrais, livros e músicas quanto jornais e revistas. A reação democrática, no entanto, batizou o que era “nanico” para a ditadura de “imprensa alternativa”, uma forma de dizer aos brasileiros, que havia uma alternativa ao pensamento ideológico das trevas. Para Flávio Aguiar, “não resta dúvida que a imprensa alternativa, nas suas diferentes formas, neste quadro sombrio, era um dos oásis cidadãos e combativos”. Thiago de Mello a recitar: “Faz escuro, mas eu canto/Porque a manhã vai chegar”.

Nesse cenário, lia-se O Pasquim, de conteúdo satírico, De fato, Coojornal e Repórter, de reportagem. Outros vinculados a partidos políticos, como Opinião, Movimento e Em tempo. Surgiram a partir de 1975, após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura. Começava o que Kucinski chama de “crise do padrão complacente da grande imprensa”.

O golpe de 1º de abril encontra uma imprensa servil em Pernambuco. A complacência dos grandes jornais teve sua própria marca em Pernambuco. O Diário da Noite e o Jornal do Commercio pertenciam a grupo Pessoa de Queiroz. O Diário de Pernambuco pertencia aos Diários Associados. Ambos os grupos, embora dependentes em parte de concessões oficiais, mantinham à frente de suas editorias consagrados jornalistas de tendências reacionárias, portanto identificados com o golpe militar. No entanto, nos primeiros momentos do golpe, esses grupos tinham poucas informações a respeito do papel dos militares ante a ilegalidade do movimento. Por isso, ficaram à espreita, em cima do muro, no primeiro de abril de 1964.

Caso emblemático é a posição do grupo Jornal do Commercio, como conta o advogado Paulo Cavalcanti no livro O Caso Eu Conto Como o Caso Foi. Seu presidente, F. Pessoa de Queiroz, fora eleito senador pelo principal partido de sustentação do governo Goulart, o PTB, talvez por isso mesmo, arriscou publicar em seu vespertino daquele dia a seguinte nota, cujo teor dúbio poderia agradar ou não desagradar a qualquer dos lados: “ – deveremos, todos os nordestinos, testemunhar nosso reconhecimento aos chefes militares do IV Exército, ao seu comandante principalmente, que, com serenidade, mas energia, assegura a esta região, em meio à confusão da hora presente, um clima que,intranqüilo embora, é de garantia e ordem”.

Nos dias seguintes, consolidado o golpe militar, os jornais de Pernambuco, como de resto, os autoproclamados grandes do Sul e Sudeste, também consolidaram seu reacionarismo e, mais que isso, sua cumplicidade com a autocracia emergente, refletida em ridículas manchetes encaminhadas pelos milicos, como: – apreendidos pelo Exército 10 mil uniformes dos guerrilheiros de Arraes! – Diretor da Loteria do Estado foge com 60 milhões! – Material subversivo encontrado nos veículos do Movimento de Cultura Popular! – O Exército prende 8 estrangeiros que atuavam no campo! – Inúmeros democratas seriam fuzilados pelos comunistas! – Dólares falsos trazidos por chineses iriam custear a revolução comunista! – Cem veículos da Sudene foram usados pelos comunistas para transportar armas para o campo! – cédulas com a foice e o martelo seriam usadas como dinheiro pelos comunistas!

sexta-feira, 2 de março de 2012

O lado do bem comum

Comunicação versus bem comum

Quando o ex-presidente Lula percebeu que qualquer pesquisa futura a respeito do nosso tempo produzirá uma grande distorção da realidade atual se ela for realizada sobre o que se tem publicado na grande imprensa, ele estava baseado não somente no cotejamento dos fatos com aquilo que se registra na mídia como também no muito que se tem produzido de análise dessa mesma imprensa em veículos alternativos e nas universidades. Inda bem que esses veículos existem. Inda bem que suas analises não adotam a mesma lógica do objeto analisado. Ou seja, diferentemente da mídia de uso geral, são produtos qualificados nos preceitos acadêmicos que respeitam os fundamentos da verdade pelo método da apuração responsável.

Responsabilidade que não se vê em nossa lamentável mídia, principalmente depois que a derrocada da experiência socialista mundial deixou o campo aberto ao cultivo da ideologia única do domínio do capital, da exploração do homem pelo homem, da submissão globalizada a um deus que tem sua catedral edificada em Wall Street e seus rituais celebrados nas sedes dos grandes bancos cujas ventosas se multiplicam mundo afora. Campo aberto para a formação das grandes corporações que tornam a existência humana quase totalmente submissa aos seus interesses de dominação do mundo.

As falas sobre a superação da fome sumiram das pautas jornalísticas. A fome a aumentar no mundo, produto da exploração das riquezas e da sua concentração nas mãos de poucos. As falas sobre o fim das guerras, sobre a paz, também sumiram. As falas de hoje são de justificativas para a guerra, principalmente a guerra de ocupação territorial, ocupação predadora e de assassinato em massa de população civil. Guerras que produzem mais concentração de riqueza e de poder. As falas de defesa do meio ambiente também somem dos grandes debates. Contrariam os interesses das grandes corporações. Do mesmo modo, somem as falas sobre democracia. Caiu em desgraça ante a tendência do eleitor em contrariar o interesse do deus capital.

Essa contrariedade reflete com maior intensidade nos terreiros sul-americanos onde governos de interesse popular tendem a contrariar os apóstolos do deus mercado e seus acólitos nativos, asseclas de um novo tipo de colonialismo pautado no interesse de grandes corporações. Por isso mesmo esses governos são taxados de “populistas”. A própria mídia mundial, globalizada, circunscrita a meia dúzia de grandes corporações que representam mais de 90 por cento da produção cultural mundial, trata de mudar conceitos. O conceito de liberdade de imprensa é distorcido na seara cultural para permitir aos donos da mídia a dizer ou deixar de dizer o que melhor sirva aos seus interesses econômico-ideológicos imediatos. Às favas o conceito de direito à informação.

O fato de favorecer políticas públicas de interesse popular torna inevitável o enfrentamento entre o governo e poder econômico/midiático contrariado. Poder que por algum tempo apeou Hugo Chávez, da Presidência; que há muito tenta derrotar os Kirchner, na Argentina; que tenta uma queda de braço com Rafael Correa, no Equador; que organiza a uma oposição venenosa contra Evo Morales, na Bolívia. Não é diferente no Brasil onde desde 2003 a opção popular do governo enfrenta o ódio de classe das nossas elites tradicionais, elas e a mídia legítimos representantes dos interesses do poder econômico. Ódio que não se aplacou nem com uma carta-compromisso em que o candidato Lula prometia não contrariar as relações da economia com o mercado e que foram impingidas ao dócil governo FHC pelo FMI.

Esse contexto, em que governos não são mais permeáveis a adesões automáticas aos desejos da diplomacia expansionista de Washington, atrai as baterias dos estrategistas midiáticos da desestabilização a soldo dos interesses descritos. Estrategistas em bom tempo escorraçados um a um por Hugo Chávez, por Cristina Kirchner, por Evo Morales, por Rafael Correa. E as baterias que nunca cessam de assediar. No Brasil, no entanto, há uma tolerância maior do governo com a incessante investida da mídia e da elite submissa, colonizada. Tolerância que já não tem razão de ser. Já é hora de se colocar os interesses da mídia sob a tutela da responsabilidade. Do lado do bem comum.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Tida

Erotides Pires Ferreira Veras

* 05.04.1920
† 25.01.2012

Erotides Pires (Tida) era descendente
de Pedro Pires Ferreira e Albertina Xavier de Moura, moradores da fazenda São Joaquim,Afogados da Ingazeira, onde ela nasceu. Órfã de mãe aos 13 anos, cedo assumiu a responsabilidade de cuidar de 6 irmãos menores, a mais nova com pouco mais de 1 ano de idade: José, Solon, Neves, Iracy, Darcy e Yolanda. De novo casamento do pai, novos irmãos: Ney, Neyde, Sidnei, João e Roberto, filhos de Lourdes, das famílias Xavier de Moura e Salvino Liberal.

A experiência de vida de Erotides lhe ensinou a tratar seus interlocutores sempre com uma palavra de conforto, de solidariedade e carinho; característica que a acompanhou até o fim da vida. Uma experiência de vida sentimental transformou Tida em heroína da luta pela liberdade da mulher ante a cultura machista do nosso povo.

Formada pela Academia Santa Gertrudes, em Olinda, exerceu o magistério a partir de 1942, quando foi nomeada professora estadual em Flores. Essa atividade lhe rendeu experiência suficiente para assumir a direção de ensino da Escola Estadual Carlota Breckenfeld, de Tabira, inaugurada em 1952. Foi nessa condição que amealhou o respeito e a admiração dos alunos e professores por mais de uma década.

Também foi professora das Escolas General Abreu e Lima, em Abreu e Lima e do Grupo Escolar Dantas Barreto em Paulista. No Instituto de Educação de Pernambuco fez o Curso de Direção e Inspeção Escolar que lhe deu a titularidade para assumir a direção como primeira diretora do Grupo Escolar Pré-fabricado em Paulista no bairro Nobre, hoje Escola de Referência Amarina Simões. Exerceu suas atividades nesta escola até sua aposentadoria,concluindo sua longa e profícua missão de mestra.

Tida nos deixou na quarta-feira 25.01.2012, vítima de um acidente vascular cerebral. Deixa viúvo Antônio Ferreira Veras, servidor estadual aposentado, e 6 filhos, Loura, Flávio, Hebe, Rosângela, Mary e Evandro, netos e bisnetos, e saudosos todos aqueles com quem conviveu.

texto: Sidnei Pires

arte: Leila Jinkings

O Manifesto