quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Soberania


Uma boa vizinhança.

“Se empréstimos brasileiros não depenaram vizinhos, não será ao Brasil que auditorias alheias trarão problema”, é o que disse o jornalista Janio de Freitas em sua coluna da Folha de S. Paulo desta terça-feira.

Para Janio, o exame minucioso do que suas dívidas externas têm de correto ou de irregular, decidido pelos governos do Paraguai, da Bolívia e da Venezuela, levou o senador Heráclito Fortes a prometer uma reunião extra da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.

O motivo de Fortes foi um texto de jornal que disse haver nas auditorias "uma ameaça de US$ 5 bilhões" de "calote" dos três países contra o Brasil. (A propósito do senador da bancada do Opportunity, prepara-se um texto a respeito da serventia da nossa câmara alta na atualidade. A dúvida é no título da matéria: “A quem serve nosso senado?” ou “Pra que serve este senado?”).

Jânio lembra que a auditoria da dívida externa brasileira foi uma das bandeiras da resistência democrática contra a ditadura, por suspeita de transações corrompidas na negociação externa e na destinação interna do dinheiro. Mas também em nome da recuperação da nossa soberania esvaziada pelo FMI e pelos bancos dos EUA, Citigroup à frente, que extorquiram nossa poupança.

São, portanto, legítimas as auditorias que querem nossos vizinhos em suas dívidas externas. Dívidas de nações soberanas com seu povo. Há muita coisa errada com a elite oligárquica que vinha mandando em nossa América. Caso o Brasil tenha o rabo preso em falcatruas associadas a empresas suspeitas, o que não é improvável, nada mais justo do que acertar seus pecados.

Mutretas na linha do Equador

O governo e a imprensa estão literalmente montando uma crise fictícia com o Equador. Quem afirma é o jornalista Gilberto Maringoni, para quem o país andino está apenas exercendo sua soberania e isso é visto como sacrilégio pelos interesses corporativos e financeiros.

A dívida de US$ 243 milhões, montada numa operação triangular BNDES-Odebrecht- Governo Equatoriano, não foi suspensa, mas a grita está nas ruas. “O engraçado é que em 2003/2004, a transnacional estadunidense AES, que comprou a Eletropaulo, deu um calote de R$ 600 milhões no mesmo BNDES e não se viu protestos semelhantes”, estranha Maringoni.

Segundo o economista Paulo Passarinho, o governo brasileiro vem defendendo interesses corporativos e financeiros em nosso continente. Como nos recentes episódios envolvendo os interesses da construtora Odebrecht e um financiamento do BNDES, para uma obra que apresentou graves problemas aos equatorianos e ao seu governo.

O Equador notificou a Câmara de Comércio Internacional contestando uma dívida de US$ 242,9 milhões referente ao contrato de financiamento para a construção de uma hidrelétrica. O ato, embora legítimo e realizado no fórum apropriado, foi considerado desrespeitoso pelo Itamaraty, que chamou de volta ao Brasil o nosso embaixador naquele país.

O açodamento do Itamaraty em prol da problemática transnacional brasileira atende a pressões dos setores dominantes da grande imprensa do Brasil, que difundem a versão mentirosa de um suposto calote do governo de Rafael Corrêa. Velhos os interesses, velhas as mutretas.

Um ministro performático.

O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, chefe de um poder da República, faz tempo esqueceu seus próprios limites. É como vê a edição 522 (de 19 de novembro) da Carta Capital (*), cuja redação apurou confraternização entre o ministro e empresas investigadas por formação de cartel. Há referências a apoios nada republicanos de Gilmar em sua terra natal.

“O presidente do STF está no centro de uma investida que reúne poderes variados, da Polícia Federal ao Congresso, para sepultar o que resta da Operação Satiagraha”, esclarece a revista. Investida que inclui o afastamento de Paulo Lacerda do comando da Abin; pressões sobre o juiz Fausto De Sanctis e manobras para desvirtuar o trabalho do delegado Protógenes Queiroz.

A matéria mostra ainda como Gilmar paira sobre a Praça dos Três Poderes, animado por desagravo corporativista do Supremo no começo do mês. Diz Carta Capital que dia sim, dia não, o ministro falastrão “corre aos holofotes” para opinar à margem das regras da Magistratura.

“O mais impressionante são os poderes que se curvam – ou convenientemente se calam”, diz a revista. Entretanto, o performático ministro acaba de enfrentar segura discordância do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Mozart Valadares Pires (*), que repeliu críticas de Gilmar ao “independentismo” (não alinhamento?) da Justiça de primeiro grau.

Na mesma linha do repúdio de Mozart, Nino Toldo, da Associação dos Juizes Federais do Brasil, também resolveu abaixar o topete do chefe máximo da magistratura brasileira. “Os juízes são independentes e, felizmente, neste país, a independência da magistratura é respeitada", disse Toldo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Uma fibra assassina?



Lei brasileira tolera o uso de substância cancerígena banida em quase 50 países.

250 MIL TRABALHADORES BRASILEIROS SÃO EXPOSTOS AO AMIANTO. A PRODUÇÃO SE AMPARA EM LIMINARES DO SUPREMO.

Supremo Tribunal Federal (STF) já começa a se sensibilizar diante do entendimento da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (AIPC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que todos os tipos de fibra de amianto, em qualquer estágio de produção, transformação e uso, são substâncias cancerígenas para humanos. Um laudo contundente, de fé pública internacional.

É o que se deduz de recente decisão do Supremo favorável à lei estadual 12.684/2007 que proíbe o amianto no Estado de São Paulo. A lei, assim como outras leis estaduais do Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, estava suspensa por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo forte lobby empresarial/parlamentar de Goiás, estado que mais produz do amianto.

Outros fatos podem estar causando uma mudança de atitude do STF, que vinha sustentando a produção de amianto pela concessão de liminares contra as leis estaduais. Entre os fatos, destaca-se a proibição já existente em quase 50 países, como Alemanha, França, Itália, Japão, Austrália, Argentina e Chile. Mesmo os países que toleram o amianto, como o Brasil, recomendam a sua produção e uso “controlado e responsável”.

As dimensões do problema já haviam sido evidenciadas na década de 70, no Canadá, quando empresas Estadunidenses e do Reino Unido se retiraram da exploração do amianto, fugindo de pesadas condenações e ações de indenização movidas por vítimas. Sabe-se hoje que as doenças graves, progressivas e incuráveis produzidas pelo amianto podem levar anos para se manifestar.

Em 2005 o senado francês definiu a situação das conseqüências da contaminação por amianto no país como uma “catástrofe sanitária” e acusou técnicos do governo, sindicalistas e alguns cientistas de se deixarem “anestesiar”, durante anos, pelo lobby das empresas que utilizam e defendem o amianto. No Brasil, dados do Datasus revelaram 2414 mortes como conseqüência da exposição ao amianto entre 1980 e 2003.

Em 1990, a Fundacentro, entidade governamental que atua em pesquisa científica e tecnológica relacionada à segurança e saúde dos trabalhadores, monitorou cerca de 900 ex-trabalhadores da ETERNIT. Os exames indicaram de 9% tinham fibrose pulmonar e 20% sofriam de doenças malignas na pleura (membrana que cobre os pulmões e reveste o interior da parede torácica).

E quais são as doenças causadas pelo amianto? A fibrose pulmonar é chamada asbestose porque a fibra de amianto que invade os pulmões tem o nome de asbesto. A doença é progressiva e leva lentamente o paciente à morte, após anos de sofrimento por recorrência de pneumonia. O Câncer de pulmão é um tumor maligno que leva 25 anos ou mais para se manifestar.

O Mesotelioma é um tumor maligno incurável de pleura que mata a maioria dos doentes em até 2 anos após o diagnóstico. Pode levar até 50 anos depois do contato com a fibra para aparecer. Doenças pleurais (placas, derrames, espessamento) e outras patologias ditas não malignas podem evoluir até levar à incapacidade para o trabalho. O câncer de laringe também pode ocorrer.

Onde se encontra a fibra que tanto mata? O amianto é uma fibra natural, de origem mineral, presente na produção de telhas, caixas-d'água, tubos-d'água e na indústria têxtil, automobilística e naval, entre outras. O Brasil ocupa o quarto lugar entre os maiores produtores mundiais de amianto, respondendo por 11% de toda a produção mundial, com uma média anual de 250 mil toneladas.

Quem defende a nossa produção de amianto? Mais de 40 leis estaduais e municipais que proíbem a produção e uso dos produtos de amianto já foram aprovadas. As indústrias, no entanto, têm conseguido suspender as leis junto ao Supremo STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ). O argumento é que as leis são inconstitucionais por existir uma lei federal disciplinando o uso do amianto.

De fato, a Lei 9.055, de 1995, que regulamenta a extração, a industrialização a comercialização e o transporte do amianto e dos produtos que contenham as fibras, permite, em seu artigo segundo, o “uso seguro e responsável do amianto”. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a 4066, pede a revogação do artigo 2º, com a fundamentação de que o uso do amianto é contra a saúde e a vida.

Em 30 de setembro, o presidente da ETERNIT, Élio Martins, o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho, o senador Marconi Perillo (PSDB, GO) e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB, GO) foram recebidos no STF por Gilmar Mendes. Sobre o encontro, o site do STF noticiou que o grupo foi entregar documentos contra o banimento do amianto crisotila, um tipo de fibra que, afirmam, seria inofensivo à saúde.

“Temos estudos científicos que foram preparados pelas principais universidades brasileiras que nos tranqüilizam em relação à utilização do amianto sem qualquer mal à saúde” afirmou o senador Perrillo ao site do STF. Segundo o senador, o objetivo dos documentos é “dar esclarecimentos e embasamento aos ministros do Supremo Tribunal Federal em relação à matéria”. No STF tramitam ainda seis ADI em favor do amianto.

O Grupo ETERNIT é o maior do setor de amianto no Brasil. A mineradora SAMA pertence a ele. É a responsável pela mina de Cana Brava, a única de amianto do tipo crisotila em exploração no País. Fica em Minaçu, norte de Goiás, a 500 quilômetros da capital. Para Rubens Rela Filho, a cadeia produtiva brasileira que utiliza o amianto gera 60 mil empregos diretos e tem uma rentabilidade de R$ 2,6 bilhões ao ano.

Marconi Perillo, Carlos Alberto Leréia e Demóstenes Torres são alguns dos parlamentares da “bancada da crisotila” no Congresso Nacional. Em troca de defender o amianto recebem o apoio financeiro da indústria em suas campanhas. Somente Leréia, proveniente de Minaçu, recebeu 300 mil reais da mineradora em sua campanha para deputado federal, de acordo com a revista Carta Capital, de junho de 2005.

Com tal poder, conforme revelou Conceição Lemes, em matéria especial para o blog Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, o grupo conseguiu tirar do ar contundente série de três matérias da TV Bandeirantes contrária ao amianto, programada para começar em 29 de setembro. E a população de Bom Jesus da Serra e de Poções ficou frustrada frente à televisão por não poder assistir à sua própria tragédia.

Do lado oposto, defendem a substituição do problemático mineral instituições do porte da Fundacentro e da Fiocruz e especialistas do Incor. E a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), que exerce incansável luta em várias frentes. A Abrea foi fundada pela engenheira Fernanda Giannasi, que também coordena a Rede Virtual Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina.

O grupo conta ainda, como aliados, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), autoras da ADI 4066. Entretanto, para o grupo, só a discussão em torno das leis vai esclarecer à população e dar visibilidade ao tema, acreditando que o poder público somente se posicionará quando houver uma efetiva pressão da sociedade civil.

“O fato é que o amianto é uma bomba de efeito retardado... Uma proibição imediata da produção e uso do amianto é absolutamente necessária”, afirma Fernanda Giannasi. “Afinal, inequívoca e indubitavelmente o amianto mata!” Ela questionou junto ao Conar a intensa campanha publicitária recente a favor do amianto. “Por conter informações inverídicas e tentar iludir o consumidor”.

(Colaboraram Leila Jinkings e Valmir Ribeiro)

O Manifesto