segunda-feira, 26 de março de 2012

A conspiração pernambucana

Sidnei Liberal

“Talvez, na história da imprensa brasileira, nunca os autoproclamados grandes tenham sido tão pequenos em seu desamor à liberdade enquanto patrimônio coletivo, quanto naqueles tempos feios da ditadura que ajudaram a construir, pela conspiração ou pela conivência diante da censura”. A frase é de Flávio Aguiar, professor da USP, no livro Jornalistas e Revolucionários, de Bernardo Kucinski.

Aguiar se refere aos grandes jornais, de cuja associação ideológica e de negócios com o poder lhes rendeu o domínio da informação, apoderação e controle da comunicação de massa até os dias de hoje. “A razão essencial desse fenômeno – a formação de oligopólios também na imprensa – vem do caráter de grande empresa assumido pelos grandes jornais”, diz Nelson Werneck Sodré no livro História da Imprensa no Brasil. O tema também é abordado no livro Mídia – Teoria e Política, do pesquisador Venício Lima, que esclarece como se pôde alcançar tamanha poupança patrimonial e poder político. Lima vem secundar a luta pela democratização da mídia, que vem sendo empreendida por sindicatos, comunidades de base, movimentos de bairros e outras instituições do movimento social. Nos jornalões, a informação omitida, distorcida ou intencionalmente criada ampliou em muitas vezes o esforço que a sociedade começa a praticar com a instituição da Comissão da Verdade.

A ação dos movimentos sociais pela verdade era limitada no passado pela pressão da ditadura, interessada e partícipe ativa, por seus censores, da fraude midiática. No entanto, contra as celebridades encasteladas nas direções e editorias dos grandes jornais, a resistência contava com numerosas personalidades de notável saber moral e intelectual, ativos participantes em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Ao seu lado, muitos profissionais da imprensa que, mesmo submetidos ao comando de poderosos donos de jornal e às limitações da atuação clandestina, conseguiam construir uma cidadela da verdade. Informações valiosas, às vezes revestidas do formato jocoso, metafórico, a enganar os censores da ditadura. O tema é relatado no livro Vozes da Democracia – História da Comunicação na redemocratização do Brasil, publicado por Intervozes.

Faz escuro, mas eu canto. Manifestações do jornalismo alternativo articulavam-se, de modo quase espontâneo, natural, com as atividades de amplos setores das artes cênicas, literárias, da música. Todos vigiados pelos agentes do regime infiltrados no movimento. Tudo rotulado de “cultura marginal”, jornais alternativos chamados de “nanicos”. Uma tentativa de depreciar tanto as peças teatrais, livros e músicas quanto jornais e revistas. A reação democrática, no entanto, batizou o que era “nanico” para a ditadura de “imprensa alternativa”, uma forma de dizer aos brasileiros, que havia uma alternativa ao pensamento ideológico das trevas. Para Flávio Aguiar, “não resta dúvida que a imprensa alternativa, nas suas diferentes formas, neste quadro sombrio, era um dos oásis cidadãos e combativos”. Thiago de Mello a recitar: “Faz escuro, mas eu canto/Porque a manhã vai chegar”.

Nesse cenário, lia-se O Pasquim, de conteúdo satírico, De fato, Coojornal e Repórter, de reportagem. Outros vinculados a partidos políticos, como Opinião, Movimento e Em tempo. Surgiram a partir de 1975, após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura. Começava o que Kucinski chama de “crise do padrão complacente da grande imprensa”.

O golpe de 1º de abril encontra uma imprensa servil em Pernambuco. A complacência dos grandes jornais teve sua própria marca em Pernambuco. O Diário da Noite e o Jornal do Commercio pertenciam a grupo Pessoa de Queiroz. O Diário de Pernambuco pertencia aos Diários Associados. Ambos os grupos, embora dependentes em parte de concessões oficiais, mantinham à frente de suas editorias consagrados jornalistas de tendências reacionárias, portanto identificados com o golpe militar. No entanto, nos primeiros momentos do golpe, esses grupos tinham poucas informações a respeito do papel dos militares ante a ilegalidade do movimento. Por isso, ficaram à espreita, em cima do muro, no primeiro de abril de 1964.

Caso emblemático é a posição do grupo Jornal do Commercio, como conta o advogado Paulo Cavalcanti no livro O Caso Eu Conto Como o Caso Foi. Seu presidente, F. Pessoa de Queiroz, fora eleito senador pelo principal partido de sustentação do governo Goulart, o PTB, talvez por isso mesmo, arriscou publicar em seu vespertino daquele dia a seguinte nota, cujo teor dúbio poderia agradar ou não desagradar a qualquer dos lados: “ – deveremos, todos os nordestinos, testemunhar nosso reconhecimento aos chefes militares do IV Exército, ao seu comandante principalmente, que, com serenidade, mas energia, assegura a esta região, em meio à confusão da hora presente, um clima que,intranqüilo embora, é de garantia e ordem”.

Nos dias seguintes, consolidado o golpe militar, os jornais de Pernambuco, como de resto, os autoproclamados grandes do Sul e Sudeste, também consolidaram seu reacionarismo e, mais que isso, sua cumplicidade com a autocracia emergente, refletida em ridículas manchetes encaminhadas pelos milicos, como: – apreendidos pelo Exército 10 mil uniformes dos guerrilheiros de Arraes! – Diretor da Loteria do Estado foge com 60 milhões! – Material subversivo encontrado nos veículos do Movimento de Cultura Popular! – O Exército prende 8 estrangeiros que atuavam no campo! – Inúmeros democratas seriam fuzilados pelos comunistas! – Dólares falsos trazidos por chineses iriam custear a revolução comunista! – Cem veículos da Sudene foram usados pelos comunistas para transportar armas para o campo! – cédulas com a foice e o martelo seriam usadas como dinheiro pelos comunistas!

sexta-feira, 2 de março de 2012

O lado do bem comum

Comunicação versus bem comum

Quando o ex-presidente Lula percebeu que qualquer pesquisa futura a respeito do nosso tempo produzirá uma grande distorção da realidade atual se ela for realizada sobre o que se tem publicado na grande imprensa, ele estava baseado não somente no cotejamento dos fatos com aquilo que se registra na mídia como também no muito que se tem produzido de análise dessa mesma imprensa em veículos alternativos e nas universidades. Inda bem que esses veículos existem. Inda bem que suas analises não adotam a mesma lógica do objeto analisado. Ou seja, diferentemente da mídia de uso geral, são produtos qualificados nos preceitos acadêmicos que respeitam os fundamentos da verdade pelo método da apuração responsável.

Responsabilidade que não se vê em nossa lamentável mídia, principalmente depois que a derrocada da experiência socialista mundial deixou o campo aberto ao cultivo da ideologia única do domínio do capital, da exploração do homem pelo homem, da submissão globalizada a um deus que tem sua catedral edificada em Wall Street e seus rituais celebrados nas sedes dos grandes bancos cujas ventosas se multiplicam mundo afora. Campo aberto para a formação das grandes corporações que tornam a existência humana quase totalmente submissa aos seus interesses de dominação do mundo.

As falas sobre a superação da fome sumiram das pautas jornalísticas. A fome a aumentar no mundo, produto da exploração das riquezas e da sua concentração nas mãos de poucos. As falas sobre o fim das guerras, sobre a paz, também sumiram. As falas de hoje são de justificativas para a guerra, principalmente a guerra de ocupação territorial, ocupação predadora e de assassinato em massa de população civil. Guerras que produzem mais concentração de riqueza e de poder. As falas de defesa do meio ambiente também somem dos grandes debates. Contrariam os interesses das grandes corporações. Do mesmo modo, somem as falas sobre democracia. Caiu em desgraça ante a tendência do eleitor em contrariar o interesse do deus capital.

Essa contrariedade reflete com maior intensidade nos terreiros sul-americanos onde governos de interesse popular tendem a contrariar os apóstolos do deus mercado e seus acólitos nativos, asseclas de um novo tipo de colonialismo pautado no interesse de grandes corporações. Por isso mesmo esses governos são taxados de “populistas”. A própria mídia mundial, globalizada, circunscrita a meia dúzia de grandes corporações que representam mais de 90 por cento da produção cultural mundial, trata de mudar conceitos. O conceito de liberdade de imprensa é distorcido na seara cultural para permitir aos donos da mídia a dizer ou deixar de dizer o que melhor sirva aos seus interesses econômico-ideológicos imediatos. Às favas o conceito de direito à informação.

O fato de favorecer políticas públicas de interesse popular torna inevitável o enfrentamento entre o governo e poder econômico/midiático contrariado. Poder que por algum tempo apeou Hugo Chávez, da Presidência; que há muito tenta derrotar os Kirchner, na Argentina; que tenta uma queda de braço com Rafael Correa, no Equador; que organiza a uma oposição venenosa contra Evo Morales, na Bolívia. Não é diferente no Brasil onde desde 2003 a opção popular do governo enfrenta o ódio de classe das nossas elites tradicionais, elas e a mídia legítimos representantes dos interesses do poder econômico. Ódio que não se aplacou nem com uma carta-compromisso em que o candidato Lula prometia não contrariar as relações da economia com o mercado e que foram impingidas ao dócil governo FHC pelo FMI.

Esse contexto, em que governos não são mais permeáveis a adesões automáticas aos desejos da diplomacia expansionista de Washington, atrai as baterias dos estrategistas midiáticos da desestabilização a soldo dos interesses descritos. Estrategistas em bom tempo escorraçados um a um por Hugo Chávez, por Cristina Kirchner, por Evo Morales, por Rafael Correa. E as baterias que nunca cessam de assediar. No Brasil, no entanto, há uma tolerância maior do governo com a incessante investida da mídia e da elite submissa, colonizada. Tolerância que já não tem razão de ser. Já é hora de se colocar os interesses da mídia sob a tutela da responsabilidade. Do lado do bem comum.

O Manifesto