sexta-feira, 13 de junho de 2008

Corra, Lula, corra

O filme alemão, de 1998, Corra, Lola, Corra, (Lola Rennt), dirigido pelo competente Tom Tykwer e protagonizado pela belíssima Franka Potente, encerra uma lição de vida de múltiplas facetas filosóficas, sendo, ao mesmo tempo, denso em ação e suspense. Quem não o viu, perdeu a oportunidade de curti-lo na telona. Resta o consolo de vê-lo no sofá de casa, em tela miúda, correndo o risco de ampliar aquele pneu que ronda a cintura. Leia mais sobre o filme. [1] e [2]

É como a corrida que se estabeleceu de uns tempos pra cá para fazer o Brasil se encontrar consigo mesmo. Nessa corrida, diferentes tropeços, a la Lola, iniciam com uma colossal dívida social acumulada em centenas de anos de hegemonia econômica exercida por uma oligarquia perversa, concentradora de riquezas. São gigantescas as desigualdades entre o topo e a base da pirâmide social. Nas últimas décadas, cada vez mais se “gastou” menos com as políticas públicas que possam imprimir algum padrão de dignidade ou que busque resgatar o poder de vida de milhões.

Os ventos neoliberais que o grande capital transnacional concebeu na década de 90, docilmente acolhidos por Carlos Menem, Alberto Fujimori e Fernando Henrique na América Latina, trouxeram a cultura de irresponsáveis privatizações e novos conceitos de liberdade de mercado que viriam a garantir o livre caminho à sanha concentradora das riquezas. Investir em políticas de interesse social passou a ser visto como “gastos do governo”. Até uma contribuição sobre movimentação financeira, como a CPMF, para “gastar” na saúde pública foi surrupiada para finalidades duvidosas.

Aliás, um efeito colateral do “imposto do cheque” revelava numerosas fortunas em mãos de pessoas que não costumavam pagar Imposto de Renda. Daí, a alegria dos defensores do “livre mercado”, na verdade a máfia da sonegação, ao sepultar um instrumento tanto fiscalizador quanto solidário e democrático. Com a CPMF, o brasileiro médio pagava, anualmente, menos que o preço de uma pizza para melhorar o padrão de vida dos menos favorecidos. Com um quarto desse valor, nova proposta está em discussão no Congresso Nacional. E tem o endereço certo para a Saúde, que lhe confere alto valor social. [3]

Por seu turno, os “gastos do governo”, do atual governo, têm ido às raias do “nunca na história deste país”. Nenhuma alíquota a mais de tributo foi criada e ainda foram desoneradas de impostos produtos de cesta básica de alimentos, material escolar e de construção, além de produtos de informática. Já está consagrado mundialmente o enorme benefício social do programa Bolsa Família e o financiamento popular que tem mudado o perfil aquisitivo da população, com algumas dezenas de milhões de brasileiros migrando para faixas de consumo que lhes permite maior dignidade.

Mas, a corrida frenética de Lola em busca dos cem mil marcos que poderão salvar a vida do seu amado, é repetida uma, duas, três vezes. Entre nós, pode ser três mil vezes.
Não basta o insuspeito Le Monde indicar aos Estados Unidos o remédio brasileiro que lhes poderá salvar da bancarrota. Não basta exibirmos com orgulho os índices progressivos e sustentáveis da condição da nossa produção a apontar melhor qualidade de vida aos brasileiros. Como nos tropeços de Lola, esbarramos sempre nos profetas do apocalipse de plantão, a prever dias piores, “se o governo não parar de gastar”. [4] e [5]

Os impostos e o princípio da solidariedade

O Brasil vem aliando várias dimensões de um amplo projeto de desenvolvimento integral e integrado: controle da inflação, crescimento econômico, as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vêm reforçar a infra-estrutura, as políticas sociais alcançando êxito nacional de melhoria da qualidade de vida dos pobres e reconhecimento internacional. Manter, consolidar e ampliar essas conquistas é um esforço que exige recursos: É preciso garantir uma arrecadação consistente e em bases justas e equilibradas, que estimule e promova o crescimento.

Um sistema tributário justo e eficiente promove justiça social. Foi assim que os países escandinavos, por exemplo, fixaram condições de ampliar a capacidade de investimento do Estado, com clara opção pela promoção do bem-estar social e articulação do desenvolvimento em bases inclusivas. A fórmula adequada ao princípio da justiça tributária parece simples: quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos e quem não pode nada não paga nada; recebe agora para contribuir mais à frente. É o princípio da solidariedade, consagrado como um valor em nosso texto constitucional.

Mas precisamos aperfeiçoar nosso sistema tributário, de modo a aproximá-lo mais desse modelo. Nossa carga tributária (35,5%) está um pouco abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que é de 36,9%. Mas temos sérios problemas em sua composição e estrutura, havendo necessidade de estabelecer bases mais justas de taxação. Coloca-se, nessa discussão, a questão de impostos sobre lucros, sobre propriedades urbanas e rurais não produtivas, sobre grandes fortunas. Para taxar menos o consumo básico, o trabalho, a produção.

Na composição de nossa carga tributária, os impostos indiretos têm peso muito maior que os impostos diretos. Qual o problema? Os impostos indiretos – ISS, ICMS, IPI – promovem o repasse aos produtos, e os consumidores pagam indistintamente o mesmo imposto, independentemente da renda. Os impostos diretos, como o Imposto de Renda, como foi a CPMF, trazem o caráter progressivo, são mais justos, proporcionais à renda das pessoas. Outra vantagem é a transparência: os impostos diretos são mais visivelmente fiscalizados, o contribuinte sabe exatamente quanto está pagando.

Os impostos diretos são mais impopulares porque permitem uma maior eficiência e eficácia de fiscalização por parte do Estado e da Sociedade, que é outro valioso princípio de um sistema tributário justo. Além de saber exatamente quanto está pagando, o contribuinte tem o direito de saber como está sendo utilizado o recurso: para onde é destinado e que resultado tem.

Uma sociedade construída com base em um conceito de justiça tributária que produza justiça social rende benefício a todos, porque promove coesão social e gera vínculos de segurança, diminuindo a marginalidade e a violência. É um modelo que também estimula o dinamismo econômico, porque amplia o mercado interno. Assim, possibilitará uma vida mais rica e mais plena para todos. Leia o texto original do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, publicado pela Folha de S. Paulo de 01 de junho de 2008. [6]

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