terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os sapatos de William Bonner

William Bonner, do Jornal Nacional, costuma dizer que todas as noites sua equipe tenta colocar um elefante dentro de uma caixa de sapatos. Sempre conseguem. Trata-se da configuração do jornal de maior audiência na TV brasileira. Significa que grande quantidade das notícias produzidas é jogada na lata do lixo e outras tantas somente são divulgadas após lapidar edição que envolve a escolha de enquadramentos, incidências e aparas. Por ficarem de fora, não serão discutidas pelo público: o “lixo”, outros enquadramentos, outras incidências, outras maneiras de ver e de apresentar os temas.

É o que se denomina agendamento (agenda setting), teoria bastante conhecida em todo o mundo por qualquer estudante de comunicação, desde os anos 70, que revela como os meios de comunicação determinam a pauta (agenda) para a opinião pública. Ou seja, resolvem o que e de que forma – de que ângulo, de que ponto de vista, sob que aspecto ou profundidade – nós, indefesos leitores/ouvintes, devemos discutir a história de cada dia. Pois, para muitos, o que não deu no Jornal Nacional, a caixa de sapatos de Bonner, não aconteceu.

Tem-se no agendamento o instrumento de impor ao leitor/ouvinte uma carga de opiniões político-ideológicas ou culturais que interessam às instâncias de poder vinculadas aos donos do veículo de comunicação. Dito de outra forma, a linha ideológica nasce de modo “espontâneo”, das necessidades dos profissionais da comunicação de manter uma relação de boa convivência e conforto em seus postos de trabalho. Ou seja, a linha ideológica da notícia nasce não só do perfil intelectual e cultural do jornalista, de suas relações e afinidades ou do seu compromisso social, mas também e sobretudo do tipo de (in)dependência profissional com seu veículo empregador.

De qualquer forma, para a unanimidade dos estudiosos não há isenção na produção de qualquer matéria jornalística, mesmo a que não é rotulada como opinativa. E assim, o ouvinte/leitor recebe o “benefício” do agenda setting para não precisar pensar. Já na década de 20, dizia o Estadão: “Um verdadeiro jornal constitui para o público uma verdadeira bênção. Dispensa-o de formar opiniões e formular ideias. Dá-lhes já feitas e polidas, todos os dias, sem disfarces e sem enfeites, lisas, claras e puras” (Editorial do O Estado de São Paulo, de 14/01/1928).

Pode-se inferir então que um mergulho no “lixo” e nas aparas, e um exame por ângulos e critérios ideológicos diversos no noticiário jornalístico, certamente produziriam caixas de sapatos diferentes da de Bonner. Um mergulho e um exame que serão facultados a qualquer ouvinte/leitor quando o veículo de comunicação lhe oferecer os diversos ângulos e a totalidade dos fatos, para que exerça criticamente sua análise e sua escolha. Será, enfim, a oportunidade de poder formar sua opinião, sua versão dos fatos.

Para que isso aconteça, a sociedade precisa se dar conta de que existe um direito que a Constituição lhe garante: o Direito à Informação. Informação em sua integralidade, que permita acesso a uma leitura crítica, personalizada, liberta das amarras opinativas unidirecionais viciadas. Democraticamente aberta a múltiplas interpretações e juízos. Múltiplas caixas de sapatos...


Um novo olhar

Uma amostragem do que “não aconteceu” (o lixo e as aparas do Bonner) pode ser vista no noticiário dos últimos dias: Na última quinta-feira (24/12), o prestigiado jornal francês Le Monde escolheu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "o homem do ano de 2009. Por seu sucesso à frente de um país tão complexo como o Brasil, por sua preocupação com o desenvolvimento econômico, com a luta contra as desigualdades e com a defesa do meio-ambiente”.

Poucos dias antes, Lula foi escolhido pelo jornal espanhol
El País a primeira das cem personalidades mais importantes do mundo ibero-americano em 2009. Com direto a foto de capa inteira e perfil assinado pelo próprio primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero. "Homem que assombra o mundo", "completo e tenaz", “por quem sinto uma profunda admiração", escreveu o premiê espanhol.

Neste dia 29 de dezembro, o jornal britânico Financial Times escolheu o presidente brasileiro como uma das 50 personalidades que moldaram a última década, porque “é o líder mais popular da história do Brasil”. “Charme e habilidade política... baixa inflação... programas eficientes de transferência de renda...", diz o jornal.

Há nestas notícias da imprensa internacional o reflexo de um novo dia, de um novo tempo de novos sonhos. Um novo olhar do mundo sobre o Brasil. No entanto, para o leitor/ouvinte dos nossos jornalões, simplesmente nada disso aconteceu.

10 comentários:

Rose Nogueira disse...

É que a mídia ainda aposta na pobreza do Brasil, como sempre fez a elite tupiniquim, que ela acha que representa. Mas até a elite não quer isso tanto assim. Afinal, o mercado interno está aí e eles não são tão idiotas - apesar da grande desigualdade social.

Vocês já repararam na cara feia dos apresentadores da TV paga quando algum entrevistado diz que o Brasil vai bem obrigado?

Daniel disse...

Belíssima a análise.
Aproveito para agradecer por mais esse ano de notícias sem elefantes na caixa de sapatos.
Feliz 2010: muita saúde...muita saúde, paz e mais realizações.
Um fraterno abraço,
Daniel da Rocha Leite.

Natalia Coelho disse...

Nao acredito que recebebo esse tipo de lixo no meu email!

Lobo disse...

Alo Liberal.

Sobre seus comentários, eu diria que a maioria dos jornalistas tem a opinião de que jornal foi feito para vender, não para dizer a verdade. A versão é mais importante que o fato. Agora, o povo brasileiro tem alguma culpa, por que há também por aqui uma maioria silenciosa que engole tudo! Não questiona, apenas aceita o mingau de merda que lhe oferecem. Por isto Lula é tão atacado aqui, enquanto FHC, o maior criminoso da nossa história nada sofreu apesar de toda a corrupção. Bom, não vamos nos estender,mas eu completaria dizendo que Collor foi cassado não por honestidade do legislativo, mas por não dividir o bolo da corrupção com os membros do congresso.

Por isto a gente vê Lula sendo elogiado no exterior e severamente atacado por estas plagas.

José Capelo disse...

Caros editores,

È tão evidente para mim a manipulação da informação e a carga emocional aplicada na transmissão de noticias que nem precisaria alguém comentar. È um verdadeiro espetáculo, como uma novela.

Entretanto, è bom saber que existem outras pessoas que vêem isso e que tentam mostrar o outro lado da noticia.

Mas tenho uma duvida! Por que, apesar de ser tão evidente manipulação, esta farsa continua com uma audiência tão grande ? Por ignorância, por comodismo das pessoas ou existe um programa de lavagem cerebral tipo aquela que vemos em filmes de ficção cientifica?

Sinval Silva disse...

É ISSO AI SIDNEY
ABRAÇO

Marcos disse...

Que paraíso mental vocês estão vivendo. A nossa saúde está uma "maravilha"; altas taxas de "emprego"; todas as crianças "estudando", mensalações; as nossas estradas são um tapete; transportes públicos são exemplo para o mundo - ninguém anda em ônibus, trem, metrô lotado; corrupções, compra de sindicatos, de uniões estudantis, programas de governo que nada resultaram como o FOME ZERO. Única coisa "positiva" foi bolsa família, ou melhor, o voto-cabresto moderno.
Acorda, Brasil! Como pode um governante que tinha ódio de Collor, Sarney,Delfin, agora... são seus amores.

Sergio disse...

Análise sensacional. Obrigado por escrever isso. Estou re-encaminhando e quero imprimir para repassar para outras pessoas citando a fonte.

Felipe Machado Cardoso disse...

Faltou o prêmio de Estadista do Ano, conferido pela rainha Elizabeth.

http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_3/2009/11/05/em_noticia_interna,id_sessao=3&id_noticia=134837/em_noticia_interna.shtml

Tania Mendes disse...

Aí em cima, os ca~es ladram e a caravana DILMA passa!! Unidos venceremos!

O Manifesto