Comunicação versus bem comum
Quando o ex-presidente Lula percebeu que qualquer pesquisa futura a respeito do nosso tempo produzirá uma grande distorção da realidade atual se ela for realizada sobre o que se tem publicado na grande imprensa, ele estava baseado não somente no cotejamento dos fatos com aquilo que se registra na mídia como também no muito que se tem produzido de análise dessa mesma imprensa em veículos alternativos e nas universidades. Inda bem que esses veículos existem. Inda bem que suas analises não adotam a mesma lógica do objeto analisado. Ou seja, diferentemente da mídia de uso geral, são produtos qualificados nos preceitos acadêmicos que respeitam os fundamentos da verdade pelo método da apuração responsável.
Responsabilidade que não se vê em nossa lamentável mídia, principalmente depois que a derrocada da experiência socialista mundial deixou o campo aberto ao cultivo da ideologia única do domínio do capital, da exploração do homem pelo homem, da submissão globalizada a um deus que tem sua catedral edificada em Wall Street e seus rituais celebrados nas sedes dos grandes bancos cujas ventosas se multiplicam mundo afora. Campo aberto para a formação das grandes corporações que tornam a existência humana quase totalmente submissa aos seus interesses de dominação do mundo.
As falas sobre a superação da fome sumiram das pautas jornalísticas. A fome a aumentar no mundo, produto da exploração das riquezas e da sua concentração nas mãos de poucos. As falas sobre o fim das guerras, sobre a paz, também sumiram. As falas de hoje são de justificativas para a guerra, principalmente a guerra de ocupação territorial, ocupação predadora e de assassinato em massa de população civil. Guerras que produzem mais concentração de riqueza e de poder. As falas de defesa do meio ambiente também somem dos grandes debates. Contrariam os interesses das grandes corporações. Do mesmo modo, somem as falas sobre democracia. Caiu em desgraça ante a tendência do eleitor em contrariar o interesse do deus capital.
Essa contrariedade reflete com maior intensidade nos terreiros sul-americanos onde governos de interesse popular tendem a contrariar os apóstolos do deus mercado e seus acólitos nativos, asseclas de um novo tipo de colonialismo pautado no interesse de grandes corporações. Por isso mesmo esses governos são taxados de “populistas”. A própria mídia mundial, globalizada, circunscrita a meia dúzia de grandes corporações que representam mais de 90 por cento da produção cultural mundial, trata de mudar conceitos. O conceito de liberdade de imprensa é distorcido na seara cultural para permitir aos donos da mídia a dizer ou deixar de dizer o que melhor sirva aos seus interesses econômico-ideológicos imediatos. Às favas o conceito de direito à informação.
O fato de favorecer políticas públicas de interesse popular torna inevitável o enfrentamento entre o governo e poder econômico/midiático contrariado. Poder que por algum tempo apeou Hugo Chávez, da Presidência; que há muito tenta derrotar os Kirchner, na Argentina; que tenta uma queda de braço com Rafael Correa, no Equador; que organiza a uma oposição venenosa contra Evo Morales, na Bolívia. Não é diferente no Brasil onde desde 2003 a opção popular do governo enfrenta o ódio de classe das nossas elites tradicionais, elas e a mídia legítimos representantes dos interesses do poder econômico. Ódio que não se aplacou nem com uma carta-compromisso em que o candidato Lula prometia não contrariar as relações da economia com o mercado e que foram impingidas ao dócil governo FHC pelo FMI.
Esse contexto, em que governos não são mais permeáveis a adesões automáticas aos desejos da diplomacia expansionista de Washington, atrai as baterias dos estrategistas midiáticos da desestabilização a soldo dos interesses descritos. Estrategistas em bom tempo escorraçados um a um por Hugo Chávez, por Cristina Kirchner, por Evo Morales, por Rafael Correa. E as baterias que nunca cessam de assediar. No Brasil, no entanto, há uma tolerância maior do governo com a incessante investida da mídia e da elite submissa, colonizada. Tolerância que já não tem razão de ser. Já é hora de se colocar os interesses da mídia sob a tutela da responsabilidade. Do lado do bem comum.
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