terça-feira, 27 de maio de 2008

Quem luta, acerta e erra. Quem não luta, só erra


Complexo de vira-lata.

Vez por outra, o fantasma de Nelson Rodrigues invade os muitos palcos do teatro Brasilis. Em seus alforjes, a volta de uma frase famosa: O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima. Neste domingo, um dos editoriais da Folha de S. Paulo acusa a União de Nações Sul-Americanas, recém criada em Brasília, de ter um sentido puramente retórico. Neste aspecto, o jornal contraria os participantes, 12 presidentes das nações vizinhas e dezenas de correspondentes estrangeiros, que viram no resultados do encontro um importante passo para uma sonhada integração regional.

O editorial reduz o fato de o novo fórum nascer independente em relação aos EUA a um simples “certo nacionalismo”. Embora saiba que, por causa desse estorvo, e de alguns de seus países títeres, as decisões da Organização dos Estados Americanos (OEA), por exemplo, sempre prioriza os interesses de Washington. Ora, os assuntos internos sul-americanos serão resolvidos melhor por uma representação soberana tão somente dos povos desta região. A Folha confunde xenofobia, a que reduz o nacionalismo brasileiro, com soberania. Soberania é uma boa iniciação ao tratamento digno do nosso histórico complexo de vira-lata que costuma exibir, sem nenhum pudor, o jornal paulista. [1]

Dificuldades há. A maior, a que resulta da forte submissão da Colômbia aos interesses econômicos, militares e políticos dos EUA. Mas, como na União Européia, que levou mais de uma dezena de anos para acertar seu passo, uma posição divergente, aqui ou acolá, terá seu tratamento adequado. “Uma institucionalidade está sendo criada", disse o ministro Celso Amorim, o que foi interpretado pela Folha como “nebuloso otimismo diplomático”. Será que nossa imprensa trafega por aquilo que Mino Carta chama de incompetência raivosa dos medíocres, como a oposição demo-tucana? Parece haver uma incômoda ausência de pauta política que possa colocar o governo contra a parede.

Para não fugir do complexo rodriguiano, o segundo editorial da Folha, no mesmo dia, ataca o acordo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que tornou realidade a isonomia ortográfica da língua portuguesa, finalmente ratificado pelo parlamento luso. O jornal brasileiro acusa o acordo de trazer modificações “cosméticas”, “ociosas” e não justificáveis para a descomunal energia a ser gasta para assimilação das novas regras. Novamente se revela a mediocridade da nossa imprensa em não compreender o alcance da medida que, antes do número de alterações lingüísticas a serem processadas, reforça-se uma importante unidade de integração de nove países mediada pela mesma língua.

Tanto a criação de um organismo sul-americano soberano quanto um acordo para disciplinar o uso comum da língua de Camões integram e aproximam povos, além de coroar um grande esforço institucional brasileiro. Seria motivo de júbilo para nossa mídia dividir com seus leitores brasileiros. Mas, não é. Daí, o susto de quem chega ao Brasil. As informações que aqui lê ou ouve contradizem o que lê ou ouve lá fora. No New York Time de 24/05, por exemplo, lê-se: “Os consumidores nos Estados Unidos estão apertando o cinto; os brasileiros estão gastando como se não existisse palavra em português para recessão”. Constatação elogiosa que soa esquisito por aqui. [2]

O jornal dos EUA ainda faz referência a um novo patamar brasileiro de prosperidade econômica, com aumento do emprego e da renda e uma vitalidade “cada vez menos acorrentada à sorte dos Estados Unidos”. Outras mídias, como a revista alemã Der Spiegel, os jornais El País, espanhol, Le Monde, francês, Financial Times, de Londres, vez por outra fazem referências positivas sobre um novo desenho distributivo da riqueza em nosso país. E uma santa previsão de tempos ainda melhores. Mas, a mídia brasileira segundo a máxima rodriguiana, cospe na própria imagem, como um narciso às avessas. E não consegue encontrar nenhum pretexto para a auto-estima. [3] [4]

“Quem luta, acerta e erra; quem não luta, só erra”.

Da excelente entrevista do ministro Franklin Martins à revista Fórum, destacamos:
Em 1968, o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, estudava Economia. Mas, como parte dos estudantes à época, participou ativamente dos movimentos que começavam a contestar de forma mais veemente a ditadura. Martins assegura que a ação dos estudantes não foi somente reflexo do que acontecia em outros países, embora o turbilhão internacional tenha produzido um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento no Brasil. Lembra, porém, que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreram bem antes do Maio francês ou da Primavera de Praga.


Franklin revela que a explosão daquele ano foi fruto de quatro casamentos e um divórcio. Primeiro, entre os estudantes politizados e a massa dos estudantes que queria apenas uma boa formação acadêmica. A partir de 1967, entretanto, percebeu-se que do projeto da ditadura para a Universidade constava privatizar o ensino superior, adotar currículos ligados às demandas das empresas, diminuir o espaço para a crítica e a pesquisa científica, abolir a autonomia universitária. Ou seja, o confronto entre ditadura e estudantes se dava também nas questões concretas que afetavam o cotidiano dos alunos dentro das salas de aula. Isso deu corpo e unidade ao movimento.

O segundo casamento aconteceu entre dois segmentos da classe média: o que havia se oposto ao golpe de 64 e o que o havia apoiado. A luta pelas reformas de base durante o governo João Goulart dividira a classe média. Uma parte dela, minoritária, vira na mudança das estruturas o caminho para a modernização do país e para a diminuição das injustiças sociais. A outra, majoritária, reagira contra a bandeira das reformas e, através de suas lideranças, batera às portas dos quartéis pedindo a deposição do presidente constitucional. Sua expectativa era que, afastado Jango, as Forças Armadas entregassem aos políticos de direita o comando do país. Não foi o que aconteceu.

O terceiro casamento foi o enlace em escala planetária das diversas lutas estudantis em curso no mundo, em Paris, em Praga, em Tóquio. E o último, o que se deu entre o nosso movimento estudantil e o impulso de renovação dos valores da sociedade, num sentido mais amplo, em todo o mundo: dos costumes, da moral, dos padrões artísticos, dos modos de pensar e de se comportar. Por último, o divórcio: a explosão de 68 foi fruto também de uma profunda ruptura entre a juventude e a política tradicional. Respirava-se uma hostilidade generalizada contra os políticos, de direita ou de esquerda, e mais intensa ainda contra as instituições políticas criadas ou toleradas pela ditadura. (...) [5]

Em outra entrevista à revista do Correio Braziliense deste domingo, o ministro foi outra vez didático sobre o suposto erro da luta contra a ditadura e disse: “O maior erro naquela época era apoiar a ditadura. Eu lutei contra a ditadura, estava do lado certo”. (...) “Muita gente que critica – às vezes são jornais – apoiou a ditadura. Só deixaram de apoiar quando a ditadura começou a patinar”. (...) Para Franklin, é difícil quem não se opôs à ditadura, quem não sofreu debaixo dela e, muitas vezes, quem se beneficiou dela entender em toda sua extensão: ditadura, terrorismo de estado, tortura, assassinatos, seqüestros. “Eles não viveram isso, estavam do outro lado”.

BRINDE: ROSA DE HIROSHIMA, DE VINICIUS DE MORAES E GERSON CONRAD NUMA BELÍSSIMA INTERPRETAÇÃO DE NEY MATOGOSSO. E A PAZ, DE GILBERTO GIL E JOÃO DONATO. Clique em pausa para carregar e espere alguns segundos.

Nenhum comentário:

O Manifesto