sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Dividendos


Arrasadora ineficiência

“A atual despedida maciça de assalariados no mundo inteiro não é fruto da maldade dos empresários, mas da imoralidade do sistema capitalista. Por que razão a preservação da empresa, em momento de crise, exige a dispensa dos trabalhadores e não a redução dos honorários dos diretores, a supressão de suas pingues bonificações e a suspensão do pagamento de dividendos aos acionistas?”

“Por que os assalariados pagam substancialmente mais Imposto de Renda do que os que vivem da renda do capital? Se a empresa é uma reunião de pessoas, e não de simples coisas, por que ela é propriedade dos donos do capital, sendo os trabalhadores meros objetos descartáveis?”

Quem faz as perguntas é Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB (Painel do Leitor, Folha de S Paulo, 29/1). Dia 20/1, na mesma Folha, Comparato já apimentava o debate: “Agora descobrem todos, um pouco tarde, que a imoralidade do sistema capitalista alia-se à sua arrasadora ineficiência”.

O experiente professor da Faculdade de Direito da USP faz essa reflexão com base na cultura provinciana e colonizada. “Até há pouco, os bem pensantes justificavam as injustiças do capitalismo, pondo em realce a sua imbatível eficiência econômica”.

Para preservar o deus lucro, o bom empresário, que “só enxerga o seu próprio interesse”, aproveita os tempos de crise para auferir benesses do governo, com impostos pagos por todos. Não satisfeito, diante de frágil mobilidade dos trabalhadores, atiça na sociedade o debate sobre o já desmoralizado “custo Brasil”. Por todos os lados, tenta-se debitar o lucro na conta da remuneração do trabalho.

O leopardo

A antológica frase de Don Fabrizio, em il Gattopardo: "É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma", é o foco com que o consagrado cientista político argentino Atílio Borón analisa a frenética obamamania, uma ilusão coletiva que os meios de comunicação estimularam mundo afora pelo uso excessivo e sistemático da desinformação e do rebaixamento intelectual na comunicação.

Para Borón, pelos indícios expostos na configuração da equipe do Obama, se algo há que vá caracterizar sua administração será a continuidade e não a mudança. E uma mudança de fundo “requer algo mais que simpatia ou eloqüência discursiva”. Não mudanças cosméticas, marginais.

Mudança? O chefe do seu Conselho de Assessores Econômicos será Lawrence Summers, ex-Secretário do Tesouro de Bill Clinton e artífice da desregulação financeira dos anos 90, que pariu a crise atual. O Secretário de Defesa é o mesmo do governo Bush, Robert Gates, que seguirá conduzindo a “guerra contra o Terrorismo”. E o mutismo ante o genocídio perpetrado em Gaza?

Mudança? Semana passada (22/1), o também consagrado colunista Clóvis Rossi dizia que Obama não vai refundar os Estados Unidos.”Na melhor das hipóteses vai limpar a sujeira”. Sujeira que deverá continuar a ser produzida, a prevalecer o clima de parcialidade com que a nova Condoleeza Rice, a Hillary Clinton, encara o massacre de Gaza: “Israel tem o direito de se defender”. E daí?

Uma cara amável para desculpar os delitos do seu antecessor e um modo elegante de tocar a máquina de fazer guerra. É o que Obama pode dar. “Um caso de gatopardismo de pura cepa: algo tem que mudar, neste caso a cor da pele, para que nada mude no império”, diz Atílio Borón.

Anos de chumbo

Os anos 70 e suas imediações eram na Itália os “anos de chumbo”. Sucessivos governos, de dias ou de meses, alternavam-se no poder, refletindo frágeis acordos da babel de partidos políticos, todos eles envolvidos com a corrupção e com a Máfia. A desesperança nacional era a tônica. A fragilidade institucional abriu espaço a numerosas organizações revolucionárias à direita e à esquerda.

As ações do governo italiano, escudadas pelos órgãos de segurança, infiltrados por agentes internacionais, resultaram em limites ao estado de Direito, violência e terror. A lei rasgada pelo estado e pelos militantes revolucionários. Foi esse o caótico cenário da militância de Cesare Battisti.

Como admitido em carta pelo ex-presidente italiano Francesco Cossiga, um acordo entre setores da imprensa, sindicatos, o Partido Comunista e a Democracia Cristã concebeu um instrumento de “luta psicológica”, o de “fazer passar os subversivos de esquerda e os subversivos de direita como simples terroristas, ou absolutamente como criminosos comuns”. Instalou-se o terror.

O amplo envolvimento de poderosas instituições italianas nessa “caça às bruxas”, denunciado em livro por Battisti, é a essência da questão. Falta de liberdades constitucionais, poderes excessivos às ações policiais, manipulação do poder judiciário. Foi o legado que credenciou Cesare Battisti à pena máxima, condenado a revelia, com base em única testemunha beneficiada por delação premiada.

A atual reação italiana contra o refúgio dado a Battisti é, pois, absolutamente política. Ela não leva em conta a solidez da fundamentação do ato do governo brasileiro. Não apresenta a mínima argumentação jurídica contrária e peca pela prepotência e menosprezo pelas instituições brasileiras.

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