quarta-feira, 12 de junho de 2013

FIO DESENCAPADO

Caro Renaldi. Você não era ainda nascido. Chovia e eu, menino dos meus sete anos, com meu pai e alguns pessedistas, ouvia atento um rádio à válvula. Contava-se nos dedos de uma mão os rádios existentes na nascente cidade de Tabira (aqui, cito a tecnologia de válvula para lembrar que naquelas distâncias ouvíamos mais ruídos que os comícios de Cristiano Machado para presidente da república, do velho PSD mineiro, no tempo em que essas três letras, como as outras, mereciam mais respeito. Descaminhos da política, no entanto, pra desespero de Seu Vino, avô de Savio e Semiramis, bisavô de Yuri, fez a disputa polarizar-se entre o Brigadeiro, UDN, e Getúlio, PTB. Acho que em política você já ouviu falar do termo ‘cristianização’, foi essa a primeira. Uma pequena digressão: Seu Vino saía lá da rua de Cima, vizinho que era de Zequinha Pires, udenista e dono de outro rádio, de vávulas, penso que o terceiro era de Caneca ou de Otacílio, também para ouvir sobre política e os jogos da copa de 50, disputada no Brasil, nossa grande decepção. Bom, Seu Vino, com suas conhecidas sandálias de rabicho, vinha pra nossa sala, na rua de Baixo, para escutar o nosso rádio, de válvulas, não sem antes dizer “- Eita, radiozinho udenista, aquele de Zequinha!”. É que o dono do rádio preferia as transmissões dos comícios do Brigadeiro. E além disso, a mídia daquele tempo, diferentemente da de hoje, não tinha vergonha de dizer de que lado estava). 
Voltando à nossa audiência radiofônica coletiva: um raio acabara de produzir os maiores ruídos que já ouvíramos naquele rádio, como em todos os rádios à válvula, e seria ótimo que fosse apenas esse o problema. Foi bem além e derrubou um poste de energia com fio desencapado na rua lamacenta, entre nossa casa e o bangalô de Miguel Batista, ou a casa de Severino Pires com muita água descendo a rua, agora totalmente escura. Cena rápida em minha lembrança de criança: duas mocinha mortas, um soldado bêbado, talvez por isso mesmo com o corpo apenas chamuscado por descargas elétricas. E o pior: o desespero de uma mãe pela tragédia das filhas. Diz Marcílio que inda hoje, sessenta anos depois, ela mora saudosa na rua da Granja. 
Anos depois, eu mais grandinho, à época meio assanhado quando via uma menininha bonita, fiquei doido quando vi a beleza de Salomé, menos 15 anos, eu um pouco mais, ela dos Leite, de Tuparetama (ainda se chamava Bom Jesus?). O problema é que outros dois meninos que, para efeito didático lhes daremos os nomes Carlos e João, também se assanharam pela beleza da menina. Pra encurtar, mais atrevido que era, ganhei a parada, além do namoro mais ingênuo e a menina mais linda de todo o universo. Pouco tempo depois, acho que logo após as férias, voltando ao internato em Pesqueira e Caruaru, Carlos, João e eu, recebemos, atônitos, a notícia da igualmente fulminante e trágica morte de Salomé, por descarga elétrica de fios desencapados nas ruas de Tuparetama. 
O sentimento de tragédia, da noite de ontem, a morte prematura de um jovem advogado, no Recife que se quer moderno, trouxe-me essas lembranças dos tempos de menino. Quando e onde somente havia rádios à válvula e uma rua de Cima, outra de Baixo. Onde percorriam, descuidadas, as meninas mais lindas do mundo.

PANO RÁPIDO: 
Avenida Visconde de Jequitinhonha - Recife - 11/06/2013
Leia aqui: Uma tragédia inaceitável
 

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