Sidnei Liberal
(*)
O filtro invisível: o
que a internet está escondendo de você, livro de Eli Pariser, da Jorge
Zahar (2012), mostra, com propriedade, como se dá a manipulação dos interesses do
usuário na internet. Facebook, Amazon e Google são os sites que, pelos interesses
que cada usuário expõe na web, sejam seus dados pessoais seja o tipo de busca ou
postagem que costuma realizar, passam a lhe ofertar produtos relacionados tão
somente a essa faixa de interesse. É justamente este o filtro invisível que
cerceia o acesso a outras áreas do conhecimento que não estejam circunscrita ao
perfil do usuário. Os dados coletados por esse monitoramento compulsório, cada
vez mais sofisticado, não explicitado em contrato, são repassados por venda a
empresas das mais diferentes áreas, sem conhecimento ou prévia permissão do
usuário.
E onde mora o perigo? Primeiro, na enxurrada de propaganda
que você passa a receber, cada uma com maior nível de dificuldade para dela se
desvencilhar. Depois, pelo dirigismo, o tal filtro de que fala Pariser, que
limita o universo da pesquisa do usuário. Ainda mais preocupante quando o
produto que se oferece ao usuário tem o viés ideológico, político, econômico,
cultural. E até mesmo os de natureza profissional. Neste caso, como a oferta é
selecionada por tudo aquilo que o usuário costuma externar na web, dentro do
seu perfil ideológico, o infeliz deixa de ter acesso a formas diferentes de ver
o mundo. Deixa de encarar outros sonhos e projetos de vida e de relacionamento
com a sociedade, ou com o mundo que o cerca. Assim, sua alma é entregue ao
diabo, encarnado em Google, Facebook, Apple e Microsoft, donos do negócio de
alta lucratividade.
A teoria do gatekeeping, o “porteiro” das redações, é velha conhecida do jornalismo
estadunidense desde a década de 1940. Surgiu a partir de uma metáfora feita
pelo psicólogo alemão Kurt Lewin, exilado nos EUA nos tempos do nazismo
europeu, acerca da escolha entre o que deve ser ou não considerado como
notícia. O que se deve incluir nos jornais ou rádios, principais meios de
comunicação da época, de acordo com o valor-notícia, linha editorial, entre
outros critérios. Em tempos de mídia eletrônica, a escolha passa daquilo que
deve ir para o jornal para aquilo que os outros, em milhões de web receptores
no mundo, devem botar na sua cachola. A nova tecnologia veio para redefinir
regras do setor sem, no entanto, alterar princípios e finalidades do jornalismo,
cuja regra elementar é a do velho porteiro de Lewin. Dessa forma, ele continua a ditar a função
que as notícias funcionam na vida das pessoas.
A perfeita compreensão desta ferramenta facilita entender
como se forjam as mentes em leituras continuadas da Veja, aqui citada como
representante mais típico da nossa mídia. A estrutura ideológica progressista que
lhe deu credibilidade no passado, aos poucos foi sendo substituída pelo padrão conservador
e elitista de hoje. Sempre alinhado aos interesses econômicos das grandes
corporações e ao establishment capitalista mundial, a tal “comunidade
internacional”. Foi com essa ideologia que o próprio gatekeepping da Veja, seu
porteiro de redação, seu filtro invisível, construiu o cardápio que há muito vem
oferecendo à degustação do seu leitor médio. Este, de tão acostumado com sua
linha editorial, somente lê cada matéria até o ponto em que identifica o
mocinho e o bandido que sempre espera da sua revista. Os leitores, digamos, mais
aprofundados ainda arriscam uma carta do leitor comentando o que foi lido, sempre
acriticamente, na única intenção de ajudar a espinafrar o bandido e a louvar o
mocinho. O fato, como suas razões e circunstâncias, é mero detalhe.
(*) A imagem é de uma charge que tem circulado na internet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário