segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um porteiro na redação da Veja

Sidnei Liberal
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O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você, livro de Eli Pariser, da Jorge Zahar (2012), mostra, com propriedade, como se dá a manipulação dos interesses do usuário na internet. Facebook, Amazon e Google são os sites que, pelos interesses que cada usuário expõe na web, sejam seus dados pessoais seja o tipo de busca ou postagem que costuma realizar, passam a lhe ofertar produtos relacionados tão somente a essa faixa de interesse. É justamente este o filtro invisível que cerceia o acesso a outras áreas do conhecimento que não estejam circunscrita ao perfil do usuário. Os dados coletados por esse monitoramento compulsório, cada vez mais sofisticado, não explicitado em contrato, são repassados por venda a empresas das mais diferentes áreas, sem conhecimento ou prévia permissão do usuário.

E onde mora o perigo? Primeiro, na enxurrada de propaganda que você passa a receber, cada uma com maior nível de dificuldade para dela se desvencilhar. Depois, pelo dirigismo, o tal filtro de que fala Pariser, que limita o universo da pesquisa do usuário. Ainda mais preocupante quando o produto que se oferece ao usuário tem o viés ideológico, político, econômico, cultural. E até mesmo os de natureza profissional. Neste caso, como a oferta é selecionada por tudo aquilo que o usuário costuma externar na web, dentro do seu perfil ideológico, o infeliz deixa de ter acesso a formas diferentes de ver o mundo. Deixa de encarar outros sonhos e projetos de vida e de relacionamento com a sociedade, ou com o mundo que o cerca. Assim, sua alma é entregue ao diabo, encarnado em Google, Facebook, Apple e Microsoft, donos do negócio de alta lucratividade. 

A teoria do gatekeeping, o “porteiro” das redações, é velha conhecida do jornalismo estadunidense desde a década de 1940. Surgiu a partir de uma metáfora feita pelo psicólogo alemão Kurt Lewin, exilado nos EUA nos tempos do nazismo europeu, acerca da escolha entre o que deve ser ou não considerado como notícia. O que se deve incluir nos jornais ou rádios, principais meios de comunicação da época, de acordo com o valor-notícia, linha editorial, entre outros critérios. Em tempos de mídia eletrônica, a escolha passa daquilo que deve ir para o jornal para aquilo que os outros, em milhões de web receptores no mundo, devem botar na sua cachola. A nova tecnologia veio para redefinir regras do setor sem, no entanto, alterar princípios e finalidades do jornalismo, cuja regra elementar é a do velho porteiro de Lewin.  Dessa forma, ele continua a ditar a função que as notícias funcionam na vida das pessoas. 

A perfeita compreensão desta ferramenta facilita entender como se forjam as mentes em leituras continuadas da Veja, aqui citada como representante mais típico da nossa mídia. A estrutura ideológica progressista que lhe deu credibilidade no passado, aos poucos foi sendo substituída pelo padrão conservador e elitista de hoje. Sempre alinhado aos interesses econômicos das grandes corporações e ao establishment capitalista mundial, a tal “comunidade internacional”. Foi com essa ideologia que o próprio gatekeepping da Veja, seu porteiro de redação, seu filtro invisível, construiu o cardápio que há muito vem oferecendo à degustação do seu leitor médio. Este, de tão acostumado com sua linha editorial, somente lê cada matéria até o ponto em que identifica o mocinho e o bandido que sempre espera da sua revista. Os leitores, digamos, mais aprofundados ainda arriscam uma carta do leitor comentando o que foi lido, sempre acriticamente, na única intenção de ajudar a espinafrar o bandido e a louvar o mocinho. O fato, como suas razões e circunstâncias, é mero detalhe. 

(*) A imagem é de uma charge que tem circulado na internet. 

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