Depois de constatar que o uso do grão na produção de agro-combustível fez aumentar a demanda e o preço dos alimentos, o governo da China anunciou em meados de julho deste ano que vai parar de produzir etanol à base de milho. Terceiro maior produtor mundial de etanol e pretendendo dobrar sua produção até 2010, suas usinas terão um prazo de cinco anos para se adaptar à substituição do milho por raízes, como batata doce, mandioca e sorgo, conforme as informações da Radioagência NP. Os fundamentos da decisão vêm reforçar recente relatório da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
O relatório, “Perspectivas Agrícolas 2007-2016”, produzido em conjunto com a OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é bastante contundente ao afirmar que “o uso crescente de cereais, cana de açúcar, sementes oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos dos combustíveis fósseis” é um fenômeno que vem elevando os preços dos grãos e, de forma indireta através do encarecimento da ração, dos produtos de origem animal. E que a alta dos preços dos produtos agrícolas é “motivo de preocupação para os países importadores, bem como para as populações urbanas pobres”.
O ex-deputado mexicano Victor Soares, em recente conferência sobre segurança alimentar relatou os graves problemas vividos por seu país com a explosão da demanda por agroenergia nos EUA, que quer dobrar a produção de etanol de milho até 2017: “Desde que o México assinou o acordo de livre comércio EUA/México/Canadá – NAFTA, aposta tudo no livre comércio e na exportação. Hoje, 15% da população mexicana sofrem de desnutrição. Por outro lado, graças ao alimento barato e de péssima qualidade imposto pela indústria de alimentos estadunidense, o México é o segundo país do mundo com mais problemas de obesidade. Com a exportação do milho para os EUA, a tortilla, principal alimento do país, aumentou 100%”.
Segundo Juliano Domingues, em Brasil de Fato, o Departamento de Agricultura dos EUA demonstrou que a produção de agro-combustível vem gerando aumento de preço de alimentos. Com isso, a inflação prevista para 2007 é a maior em 17 anos O aumento no consumo de etanol ampliou a procura por milho e isso fez seu preço subir 100%. De acordo com a ONG Earth Policy Institute, o encarecimento não se dá pelo aumento do consumo humano, mas pelo uso do milho na fabricação do combustível. A alta no preço estimula os agricultores a substituírem os cultivos de soja e de algodão, causando também o encarecimento destes produtos. A alta do preço do milho também se reflete nos preços de porco, frango e carne bovina.
De olho em outro aspecto do problema, Maria Luisa Mendonça, em Brasil de Fato, diz que quando o governo dos EUA quer a produção de agroenergia está visando o monopólio de fontes de energia: “Aproveitando-se da legítima preocupação da opinião pública internacional com o aquecimento global, grandes empresas agrícolas, de biotecnologia, petroleiras e automotivas vêem nos agro-combustíveis uma fonte importante de lucro”. Maria Luisa alerta para o fato de que “O efeito da nova ideologia do ‘imperialismo verde’ pode ser tão devastador quanto as guerras”. E que, assim, a expansão de monoculturas pode representar um risco maior para o aquecimento global do que as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis.
Mais uma questão: O Brasil, o quarto país do mundo que mais emite gás carbônico na atmosfera, tem 80% do total emitido decorrentes da destruição florestal, com tendência a aprofundar o problema face à pressão da expansão de monocultura para a produção de agroenergia. Como informa Verena Glass, em Carta Maior, essa e outras razões reforçam as preocupações do presidente da FAO, Jaques Diouff. Ele considera a segurança alimentar um problema ético, político e econômico, cuja solução estaria no “acesso dos pobres à terra e aos recursos naturais”. E ensina que cabe aos governos a administração da disponibilidade destes recursos e fazer com que produzir alimentos e agroenergia não sejam atividades excludentes.É nesse mesmo rumo que a Agência Carta Maior, de 12/07/2007, traz mais uma matéria de Verena Glass destacando as preocupações da Partido Verde da Alemanha em criar uma certificação internacional para a produção de etanol com vistas a garantir padrões ambientais, sociais e trabalhistas. Suas fundamentações levam em consideração que as energias renováveis, como os agro-combustíveis, são instrumentos fundamentais para o processo de independência das populações mais pobres, e essenciais no combate ao aquecimento global. Pelo PV alemão, uma certificação internacional deverá constranger as práticas ilegais e estimular a boa produção.
Por isso, tanto Jaques Diouff, ao reconhecer que a FAO não tem acúmulo suficiente sobre o tema para apontar soluções para os passivos sócio-ambientais, quanto o discurso dos verdes alemães vêm reforçar o direito soberano das nações em poderem expandir suas fronteiras agrícolas. No mesmo viés, o diretor da FAO para a América Latina, José Graziano da Silva, junta razões ao projeto brasileiro: “se a transição energética introduz uma sombra de incerteza em outras regiões do mundo, no nosso caso a abundância de terras, o clima, a experiência acumulada, a disponibilidade de mão de obra e a cooperação crescente entre os governos abrem uma oportunidade única para fazer da agroenergia o pilar de um projeto de futuro...”
A defesa da expansão da agroenergia deve se submeter a uma regulação que confronte os problemas ambientais, sociais e trabalhistas intrínsecos à atividade, ciente de que a produção sucroalcooleira é historicamente responsável pela concentração de terras, pelo desrespeito às leis ambientais e trabalhistas, pela perpetuação da pobreza. Condições que dão aos pólos canavieiros os menores índices de desenvolvimento humano do país. Um bom projeto, entre as ressalvas apontadas, deve pautar a inclusão da agricultura familiar, que pode gerar uma boa complementação financeira, desde que não interfira na produção de alimentos. Fiquemos atentos.
Publicado em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=25315
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